DINÂMICA Desirée (à esq.) define seu trabalho como "um dos pilares da marca Obama"

Uma cena inusitada ocorreu na cozinha da Casa Branca, a sede do governo americano, antes de o presidente Barack Obama oferecer o seu primeiro jantar anual aos governadores, que é tradicionalmente seguido por um baile. Em companhia da primeiradama, Michelle Obama, Desirée Rogers abriu os domínios do chef Cris Comerford para um grupo de alunos da L’Academie de Cuisine, uma conceituada escola de culinária de Maryland. No começo da visita, Desirée explicou aos futuros chefs que naquela noite os 130 convidados seriam servidos em porcelanas criadas para diferentes presidentes. Mais tarde, depois que Comerford falou sobre o cardápio escolhido para os governadores e sobre a rotina da Casa Branca, Michelle retomou o tema das porcelanas, identificando uma peça como do período do presidente Harry Truman (1945-1953). Na sequência, respondeu a um dos estudantes que sim, ela pretendia produzir sua própria porcelana, pois "fazia parte do trabalho". Logo que houve uma pausa, Desirée interrompeu a primeira-dama.

– Uma correção. Este não é um Truman, alertou Desirée. – Oh, não, não é um Truman, surpreendeu- se Michelle. – É um Wilson. Este prato é um Wilson, completou Desirée, referindose ao presidente Thomas Woodrow Wilson (1913-1921).

Feita no estilo firme mas elegante de Desirée, a observação não provocou nenhum constrangimento a Michelle nem quebrou o clima descontraído do encontro. Naquela noite, Desirée surpreenderia ainda mais, ao colocar os governadores em fila, para dançar a conga, ao som da banda Earth, Wind & Fire, de Chicago. Deixar as pessoas à vontade e, ao mesmo tempo, mantêlas na linha é com ela mesma. Pós-graduada em administração pela Universidade de Harvard, Desirée já havia construído uma sólida carreira como executiva quando se tornou a primeira negra a assumir a Secretaria Social da Casa Branca. À época, integrava a direção de uma instituição financeira. Antes, dirigira uma empresa de energia e, nos anos 1990, a loteria de Illinois, o que lhe rendeu o apelido de Lady Luck (Dama da Sorte). Desde 2005, seu nome aparece nas listas de mulheres poderosas dos Estados Unidos.

Agora, a dona da lista é Desirée. Dos coleguinhas de Sacha e Malia, filhas de Michelle e Obama, a representantes do mundo político, ninguém participa de nenhum evento da Casa Branca sem receber o seu sinal verde. E, como secretária social, sua função vai muito além de colocar as pessoas certas umas ao lado das outras nos banquetes e solenidades. Seguindo a determinação dos Obama de aproximar a Casa Branca do povo americano, Desirée tem mostrado serviço em diferentes setores. No mercado das artes, está causando alvoroço ao procurar obras contemporâneas de representantes de minorias – artistas com origem africana, hispânica e asiática – para dependurar nas paredes da residência oficial americana. A coleção permanente da Casa Branca tem 450 obras – incluindo oito Cézanne resgatados do depósito por Jacqueline Kennedy nos anos 1960 -, mas os presidentes não podem comprar peças de artistas vivos. Assim, Desirée está selecionando obras a serem emprestadas de museus e galerias, como fizeram vários antecessores de Obama.

No cotidiano, Desirée tem aberto as portas da Casa Branca até com a ajuda da internet. Pela primeira vez, na Páscoa deste ano a tradicional busca de ovos pelos jardins da mansão contou com a participação de pessoas de todos os cantos do país, pois pistas foram colocadas na rede mundial de computadores. Atualmente ela estuda a possibilidade de criar uma espécie de loteria virtual cujo prêmio será uma visita ao número 1.600 da avenida Pensilvânia. E, embora a assessoria de imprensa de Obama se recuse a confirmar, foi dela a ideia de colocar a primeira-dama cavando uma horta orgânica no endereço mais famoso dos Estados Unidos. No dia seguinte, uma Michelle dinâmica, envolvida com alimentação saudável, apareceu na primeira página dos mais importantes jornais. Não foi pouco: naquele dia as manchetes também anunciavam que executivos de companhias responsáveis pela demissão de milhares de americanos haviam embolsado bônus milionários.

Desirée costuma definir seu novo emprego como um dos pilares da construção da marca Obama. E chega a vangloriar-se: "Temos a melhor marca que existe sobre a Terra." Autor de "The President’s House", publicado pela Associação Histórica da Casa Branca, o americano William Seale lembra que o cargo foi criado em 1901, quando a primeira-dama Edith Roosevelt nomeou a funcionária pública Belle Hagner como secretária social. "Belle tinha uma simples mesa no hall superior, em um escritório que não era seu", contou Seale à ISTOÉ. "Hoje, a secretária social ocupa uma série de cômodos da Casa Branca e conta com uma grande equipe, mas não tão grande quanto a quantidade de trabalho sob sua responsabilidade." Na opinião do historiador, nenhuma outra secretária social da Casa Branca foi mais famosa do que Desirée, "exceto, talvez, Letitia Baldrige".

Secretária social do período conhecido como Camelot – a parte idílica da Presidência de John F. Kennedy -, Letitia ainda é um ícone da etiqueta nos Estados Unidos e tem 20 livros publicados. Quando o nome de Desirée foi anunciado, a antiga assessora dos Kennedy declarou que os Obama não poderiam ter feito uma escolha melhor. Procurada pela própria executiva, deu apenas um conselho: que, ao preparar as listas de convidados, se prevenisse contra a West Wing, a ala da Casa Branca onde trabalham o presidente e seus assessores diretos, pois eles tentariam empurrar o nome de "todos os políticos". Por enquanto, Desirée tem conseguido promover uma mistura eclética nos eventos presidenciais. Mas foi dura quando a imprensa americana comparou o atual período ao dos Kennedy, usando o termo "Camelot negro". Lembrou que os Obama têm estilo próprio e disparou: "Esta Presidência não duplica nem copia."

COZINHA OFICIAL Com Michelle, o chef da Casa Branca e estudantes

Aos 50 anos, completados no dia 16 de junho, a própria Desirée tem as raízes fincadas na comunidade negra de New Orleans, na Louisiana, onde nasceu e foi por duas vezes rainha do Mardi Gras, o Carnaval local. Aprendeu a receber visitas dentro de casa, na época em que seu pai, fã de jazz, era vereador. Suas duas avós marcaram época na cidade: uma era sacerdotisa de vodu; a outra, conhecida como Big Mamma, causava sensação nas missas de domingo, às quais aparecia com vestidos vistosos e chapéus extravagantes.

Desirée trocou New Orleans por Chicago quando se casou com John Rogers, dono de uma sociedade de gestão financeira, com quem teve a filha Victoria, hoje com 18 anos, estudante da Universidade de Yale. Batizada Desirée Glapion, manteve o sobrenome do marido mesmo depois da separação. Após se submeter a uma série de cirurgias, em 2003 ela venceu um câncer de mama. Em momento algum deixou de lado a carreira de executiva. Para chegar ao posto da Casa Branca, sem similar no Brasil, contou ponto um detalhe fundamental: é amiga de Michelle há cerca de 20 anos. Seu ex-marido jogava basquete com o irmão da primeiradama, Craig Robinson, na Universidade de Princeton. E, aliada à boa reputação como executiva, Desirée é famosa por cultivar relações sociais.