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Léo vai a lutaO ator Leonardo DiCaprio adere às tramas de ação ao interpretar um agente secreto no filme de espionagem Rede de mentiras

por Ivan Claudio

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Alguém consegue imaginar o ator Leonardo DiCaprio feio, sujo, malvestido e com o rosto transfigurado por hematomas e escoriações? Pois é exatamente assim que ele aparece na maior parte do tempo em seu novo filme, o thriller de espionagem Rede de mentiras, que estréia na sexta-feira 28. O visual antigalã se justifica: na pele de um agente secreto, ele está sempre correndo e transpirando, passa por uma horrorosa sessão de tortura, é vítima de mordidas de um bando de cães raivosos e distribui sopapos em um lixão da periferia de Amã, capital da Jordânia. Vai à luta, literalmente, abandonando a postura asséptica de não atuar em filmes de ação. No caso, com a desculpa de estar sob a batuta do cineasta inglês Ridley Scott, de Gladiador. Embora pertença ao primeiro time de astros hollywoodianos, posto alcançado como protagonista de Titanic, o ator de 34 anos passou por uma sucessão de fracassos comerciais. Ele vem buscando recuperar o prestígio com o público no cinemão de viés politizado, caso de Diamante de sangue, e nos títulos do respeitado Martin Scorsese, com quem trabalhou em O aviador. A atuação em ambos lhe rendeu indicações ao Oscar, mas DiCaprio não ganhou com nenhum deles.

Como as grandes estrelas de sua geração – Edward Norton, Tobey Maguire e Mark Wahlberg, entre outros -, DiCaprio ainda não foi reconhecido pela Academia e muitos apostam em sua associação com Scott, um veterano na premiação, como parte de uma estratégia calculada. Em Rede de mentiras, ele encarna Roger Ferris, um agente da CIA em cruzada contra o terror, cuja missão é deter uma onda de atentados à bomba que vêm amedrontando a Europa. À frente desses atos violentos estaria um integrante da Al-Qaeda, Al Saleem, escondido em algum buraco da Jordânia. A missão de Ferris é fazê-lo sair da toca. Sua jogada: simular a existência de outra célula jihadista em ação e assim atrair a atenção do inimigo. O enredo é meio confuso, mas esse método tem comprovação histórica. Foi usado pela inteligência inglesa contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial (leia quadro).

Fiel ao método hollywoodiano, o ator fez laboratório com ex-agentes da CIA, mas disse que confiou totalmente no que escreveu o jornalista David Ignatius, o autor do livro em que se baseia o filme, dono de um vasto currículo na cobertura do Oriente Médio. Se tudo o que escreveu for verdade, o mais desconfortante é se saber observado por câmeras de satélites do chamado Predator System, que acompanha o movimento de qualquer ser humano na Terra como se o mundo fosse um enorme Big Brother. Scott conseguiu o efeito usando câmeras de alta definição acopladas em helicópteros que voam a três mil metros de altura, um espetáculo. É no mínimo engraçado, para não dizer absurdo, ver o personagem de DiCaprio se comunicar do meio do deserto com o seu chefe Ed Hoffman (Russell Crowe), confortavelmente encastelado na sede americana da CIA. Com naturalidade, ele olha para cima e grita ao celular como se falasse de um walkie-talkie.

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INSPIRAÇÃO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Não serão poucos os que sairão do filme Rede de mentiras sem entender o que quer dizer seu título original Body of lies (Corpo de mentiras).

O mais aconselhável, então, é ir direto ao livro de David Ignatius, que está sendo lançado simultaneamente pela Editora Agir. Trata-se de uma tática explicada logo no primeiro capítulo, quando a CIA prepara o cadáver de um suposto agente secreto para ser encontrado pela Al-Qaeda como pista falsa. Algo semelhante ao episódio do Cavalo de Tróia. "Ludibriar e desorientar o inimigo sempre foi um dos princípios cardeais da guerra", diz a epígrafe do romance, tirada de O homem que nunca existiu, livro que conta a estratégia inglesa usada para enganar os alemães na Segunda Guerra Mundial. Na época, os britânicos forjaram o cadáver de um tal Major Martin, que foi lançado na costa espanhola com informações de que as tropas aliadas desembarcariam na Grécia. Com isso, conseguiu-se desviar a atenção das forças nazistas do avanço pelo sul da Itália.

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Repetindo a experiência de Diamante de sangue, no qual adotou o sotaque do inglês falado em Serra Leoa, DiCaprio teve a assistência constante de um professor de línguas para aprender árabe e falar com acento local. Esse detalhe é fundamental para o seu personagem, um agente que, para melhor se infiltrar no campo adversário, aprende tudo da sua cultura – da religião à culinária. E até se apaixona por uma mulher muçulmana, uma enfermeira iraniana voluntária em um campo de refugiados palestinos. Numa cena em que vai a um almoço na casa dela, Ferris passa antes numa casa de doces e compra uma variedade de guloseimas com a segurança de um conhecedor. Mas é ao tratar com o chefe do serviço secreto jordaniano que ele mostra toda a sua faceta de "viajante esclarecido". O oficial cita um versículo do Alcorão sobre o perigo de se confiar em cristãos e judeus e Ferris completa de cor e em árabe o ensinamento de Alá em relação aos Zalimun (politeístas). O melhor, contudo é a sua relação com o chefe Ed Hoffman, um pai de família que se comunica pelo celular, enquanto ajuda os filhos pequenos em suas atividades rotineiras de ir ao banheiro ou pegar a van para a escola. A crítica americana identificou no sotaque de Hoffman o mesmo jeito de falar do ex-presidente George W. Bush. Vinte e três quilos mais gordo, Crowe é alvo de uma piada de DiCaprio, que num acesso de raiva o chama de "fat piece of shit", algo como "gordinho de m….." É um daqueles diálogos banais e auto-referentes que aumentam o charme de uma atuação irrepreensível.


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