Desde que o mundo é mundo, presentear aliados políticos é um gesto comum da diplomacia. No século XVII, por exemplo, num arroubo de gentileza o conde holandês Maurício de Nassau ofereceu ao rei Luís XIV da França oito telas de Albert Eckhout, um dos artistas que o acompanharam durante os sete anos de seu governo de parte do Nordeste. Ele apresentou o conjunto como "raridades" retratando em tamanho natural a flora, a fauna e os tipos brasileiros que poderiam ser usados na produção de tapetes, uma excelência francesa.

O Rei Sol seguiu o seu conselho e mandou as pinturas para serem copiadas nas manufaturas da corte, a mais famosa delas chamada Gobelins. Durante muitos anos, os tapetes exóticos e luxuriantes nascidos dessas telas serviram de cartão de visitas do governo francês junto aos nobres estrangeiros, entre eles o czar da Rússia, o imperador da Áustria e o rei da Dinamarca. Desde a quartafeira 15, esse teatro da diplomacia pode ser reconstituído na mostra "Tapeçaria Francesa – Patrimônio e Criação – De Eckhout aos Dias de Hoje", em cartaz no Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte. Sediada na antiga estação ferroviária da cidade, a construção de estilo eclético, transformada há três anos em sala de exposições, ganhou ares de realeza europeia com as belas estampas em lã e seda de cerca de cinco metros de altura.

Essa é a primeira vez que as 20 obras saem da França. Elas pertencem às Coleções do Mobiliário Nacional, o órgão que cuida do acervo de todos os palácios e residências oficiais da França. Como o museu mineiro é voltado para o trabalho pré-industrial, fez-se questão de que o processo de produção de uma tapeçaria ficasse claro para o visitante. "Essa mostra dialoga com o nosso acervo, que inclui o ofício da tecelagem. Temos, inclusive, esse tipo de tear aqui", diz Ângela Gutierrez, presidente do Instituto que dirige o museu e antiga dona da coleção de objetos, ferramentas e utensílios. Mostrar tapetes originados das pinturas de Eckhout, conhecidos como Tapeçaria das Antigas Índias, não é novidade. O Masp, por exemplo, tem cinco deles. Mas essa é a primeira vez que se exibe, junto com a tapeçaria, o chamado cartão – ou seja, a pintura que deu origem à estampa. Sem falar que os esses Gobelins têm cores e padronagens impressionantes.

Ao subir as escadarias que dão para as salas expositivas, o impacto é imediato. Em paredes opostas de sete metros de altura encontram-se as obras "O Índio a Cavalo" e "O Cavalo Isabel", ambas feitas entre 1689 e 1690 a partir de pinturas de Eckhout. A curadora Célia Corsino explica como esses bordados eram feitos: "O tecelão ficava atrás do tear e o cartão, que tinha sempre tamanho da tapeçaria, era refletido em um espelho." Isso explica, por exemplo, por que a obra "O Combate dos Animais", tecida entre 1741 e 1743 a partir de um modelo do pintor Alexandre-François Desportes, mostra a composição em sentido oposto à do cartão.

Nessa parte da exposição (que se estende até a produção atual das manufaturas, com obras assinadas por artistas contemporâneos como o chileno Roberto Matta), vale um esclarecimento. Com o tremendo sucesso mundial da série das "Antigas Índias", Desportes foi contratado para fazer uma nova versão, chamada "Novas Índias". E ele soltou a imaginação. Ao copiar uma obra de Eckhout que mostrava um rei carregado por dois mouros, ele colocou na rede uma mulher negra, tema que remete mais a uma nobreza africana que à realidade brasileira. Servia, assim, à demanda de exotismo que tanto fascinava as cortes europeias naquele momento. Era o estrangeiro pintando o Brasil para o estrangeiro ver.