FAMÍLIA A menina Natália, filha de Claucio e Letícia, nasceu depois que o pai se curou

Diante do diagnóstico de câncer, o desafio é salvar a própria vida. Muitos pacientes, porém, têm outra preocupação: gerar novas vidas no futuro, ter filhos, algo até há pouco tempo impensável para quem se submetia à quimioterapia – remédios que matam as células tumorais, mas que também podem danificar seriamente os sistemas reprodutivos masculino e feminino. Porém, devido à sofisticação das técnicas de fertilização, hoje esses tratamentos não significam esterilidade. Nos Estados Unidos, recentemente, o nascimento de uma menina graças à conservação do sêmen de seu pai, Chris Biblis, congelado há 21 anos, foi um marco desse avanço. Antes de iniciar sua luta contra a leucemia – tumor que afeta as células sanguíneas – quando ainda era um adolescente, o americano, de 38 anos, guardou os espermatozoides numa clínica de reprodução assistida. Os principais avanços, no entanto, beneficiam mais as mulheres. A extração e conservação dos óvulos é mais delicada, mas cada vez mais possível.

Baseados na eficácia dos métodos, especialistas estão criando um movimento mundial para fazer com que as novidades da fertilização estejam mais disponíveis para os pacientes com câncer. Criaram até um nome para isso: oncofertilidade. Nos EUA, a nova área já é considerada uma subespecialidade médica. Um dos grupos mais atuantes está na Escola de Medicina da Universidade Northwestern Fienberg, em Chicago. Um time multidisciplinar – formado por oncologistas, especialistas em medicina reprodutiva, obstetras, ginecologistas, psicólogos, geneticistas e assistentes sociais – é responsável por pesquisar estratégias para a preservação da fertilidade e por aconselhar os pacientes. Recentemente, as pesquisadoras Jacqueline Jeruss e Teresa Woodruff, integrantes da equipe, lançaram um guia sobre o assunto, além de um site. O objetivo é difundir as informações entre médicos e doentes. “Nem os profissionais de saúde nem os pacientes sabem o suficiente sobre o que podem fazer”, disse Jacqueline à ISTOÉ.

ESPERMA DE LABORATÓRIO

Cientistas da Universidade Newcastle, na Inglaterra, anunciaram na última semana a criação de espermatozoides feitos a partir de células-tronco embrionárias. Os espermatozoides serão usados em pesquisas para entender como são afetados pelos remédios contra o câncer. “Isso nos ajudará a buscar soluções para evitar que a infertilidade aconteça”, disse Karim Nayernia, da equipe responsável pelo feito. Publicado no jornal Stem Cell and Development, o trabalho causou controvérsia. Alguns cientistas não se convenceram dos resultados.

A necessidade de ampliar as opções e o acesso a esses tratamentos tornou-se imperativa. Felizmente, os índices de cura estão se elevando. Desta maneira, o que se tem hoje é uma grande população de pessoas curadas, jovens, e com a vida pela frente. “Por isso cresce a preocupação com a preservação da fertilidade deles”, afirma o médico Márcio Coslovsky, do Centro de Reprodução Humana Huntington, no Rio de Janeiro. Tocar no assunto com o paciente, contudo, não é tão simples. “O doente tende a pensar que a vida acabou ali”, diz João Sabino, médico do Centro de Reprodução Humana Insemine, de Porto Alegre. O duro é falar sobre fertilidade no momento em que a vida está em jogo. “Tem de ser no momento em que o tratamento será planejado”, ressalta Luiz Fernando Dale, especialista em reprodução humana, do Rio.

O efeito devastador das terapias contra o câncer sobre a fertilidade tem explicação simples: as células tumorais se multiplicam de forma acelerada, e os remédios, em especial os mais antigos, atacam toda célula que mostre o mesmo comportamento. É o caso das células dos ovários e dos testículos, que têm uma multiplicação acelerada para produzir os óvulos e os espermatozoides. Isso as torna alvo dos quimioterápicos também. A chance de perder a fertilidade varia conforme a idade do paciente e a agressividade do tratamento.

Os métodos da reprodução assistida disponíveis possibilitam ao paciente aumentar a chance de proteger seu corpo desse prejuízo. Eles têm como finalidade guardar tecidos e células saudáveis, existentes antes do bombardeio químico de remédios, para usá-los depois. Opções como a maturação de óvulos (a maturidade dessas células é atingida em laboratório) e o congelamento de tecido ovariano ou testicular são oferecidas, embora ainda não mostrem resultados iguais ao congelamento de gametas e embriões.

Já existem também medicamentos capazes de preservar o ovário provocando um estado de menopausa precoce – algo como uma “hibernação”. A vantagem do método é diminuir sua sensibilidade aos quimioterápicos. Com o metabolismo mais baixo e sem produzir óvulos, a divisão celular no órgão diminui. Com isso, há maior possibilidade de ser poupado dos efeitos da medicação. Após a quimioterapia, o medicamento é suspenso e, em alguns casos, a fertilidade é preservada.

A paciente pode tentar a gravidez depois de seis meses, no mínimo, do fim do tratamento contra o câncer. “É preciso esperar esse tempo porque há chance de resíduos do medicamento causarem má-formação no bebê e de reincidência do câncer”, explica o médico Artur Dzik, da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Em casos de câncer com forte caráter hereditário, é aconselhável marcar consulta com um geneticista. Ele pode ajudar o casal a avaliar as chances de os filhos sofrerem o mesmo problema e decidir sobre a gravidez.

O promotor de justiça carioca Claucio Cardoso da Conceição seguiu todos os passos para vencer o câncer e conseguir aumentar a família. Ele teve sua paternidade garantida com o congelamento do sêmen, antes de fazer a cirurgia para retirada de um tumor no intestino, há três anos. “Tinha mil planos e eles não foram adiados por causa da doença.” Um desses planos tem o nome de Natália, e nasceu há dois anos: é a filha de Cardoso e sua mulher, Letícia. E pode ser que Natália ganhe um irmão ainda este ano fruto do mesmo material que o pai mantém em laboratório.