Quando um aluno lhe mostrou um enorme dente encontrado nas obras de uma estrada em General Salgado, no interior de São Paulo, o professor de ciências João Tadeu Arruda, 59 anos, ficou impressionado – ele até achou que se tratava de dente de bezerro. Até aquele ano de 1990, Arruda só tinha visto fósseis em livros didáticos. Acabou descobrindo uma "mina" de ossadas de jacarés pré-históricos. Na semana passada, foi apresentado no Rio de Janeiro o esqueleto do habitante mais exótico já encontrado no local: o Armadillosuchus arrudai, ou crocodilo-tatu.

O animal, que viveu há cerca de 90 milhões de anos, tinha uma carapaça cobrindo o pescoço e o dorso, como se fosse um tatu – mas com corpo e cabeça de crocodilo. Media até dois metros de comprimento e pesava 120 quilos. Das patas saíam garras afiadas com as quais cavava a terra e se enterrava em buracos, um hábito inusitado entre os jacarés. "É uma espécie única, não identificada em nenhum outro lugar do planeta", diz Ismar de Souza Carvalho, pesquisador do departamento de geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que relatou a descoberta brasileira em um artigo no periódico científico Journal of South America Earth Sciences. O crocodilo-tatu está em exibição no Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico do Rio.

O animal habitava uma região conhecida como Bacia Bauru, circundada de montanhas no interior dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná. O clima ali era quente e seco, com temperaturas de até 45 graus, no período geológico denominado Cretáceo – o último da era Mesozoica, marcada pela presença de grandes répteis na Terra, inclusive os dinossauros. Como a América do Sul e a África não haviam se separado totalmente, o local era pouco atingido pela umidade oceânica (o Atlântico ainda estava em processo de formação). Ao contrário dos crocodilos atuais, o Armadillosuchus vivia em um ambiente árido e ficava mais na terra que na água.

"As características físicas revelam estratégias de sobrevivência", diz Carvalho. A carapaça de placas ósseas fixas e móveis protegia o corpo de grandes predadores e adversidades climáticas. Enterrando-se no solo o animal conseguia evitar o sol forte, a seca e as raras tempestades. Outra particularidade é a estrutura dentária semelhante à dos mamíferos, que permitia a mastigação de plantas, moluscos, raízes e carne – enquanto a maioria dos crocodilos engole sem mastigar e não costuma comer vegetais. Segundo Carvalho, as peculiaridades do Armadillosuchus demonstram que não é ancestral direto dos atuais jacarés: teria desaparecido com as mudanças climáticas na Terra. "O ambiente mais úmido se tornou inadequado para ele", diz o pesquisador.

Outras quatro espécies de jacarés pré-históricos já foram encontradas na zona rural de General Sampaio, e mais cinco podem ser confirmadas em breve. A reconstituição do corpo do crocodilo-tatu durou quatro anos, feita a partir dos fósseis de um crânio, uma pata, alguns dentes e fragmentos da carapuça. Foi o professor Arruda quem localizou os primeiros ossos em 2005: "Pensei que fosse um dinossauro. Era tão feio que o apelidei de Horroroso." Mas agora ele se orgulha do animal cujo nome científico termina prestandolhe uma homenagem: Armadillosuchus arrudai.

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