Deu na revista “Th e Economist”: na Itália, 22 mil trabalhadores da Fiat produzem 650 mil carros; em  Minas Gerais, 9,4 mil pessoas entregam 750 mil automóveis. A diferença de produtividade é tão gritante que o presidente da companhia, Sergio Marchionne, insinuou que seria muito melhor transferir fábricas da Itália para países emergentes, como o Brasil e a Polônia.

Esse é o mundo das relações reais entre os países. Onde o calo aperta, a Itália depende cada vez mais do Brasil. No mundo da encenação
política, o que se vê é uma suposta crise diplomática, em função do caso Cesare Battisti. Protestos de autoridades e manifestações diante da embaixada brasileira, em função da não extradição do ex-ativista italiano. A consequência direta de toda essa gritaria? Nenhuma.

É evidente, no entanto, que o caso Battisti não deve ser analisado apenas pela lente do pragmatismo. No custo-benefício, o Brasil não perde com a decisão, mas também não ganha nada. Onde estaria, então, a lógica da decisão? Trata-se, simplesmente, de uma questão de Justiça, por mais estranho que pareça. 

Antes de chegar ao Brasil, Battisti viveu durante 14 anos na França, como um cidadão normal. Não era foragido, mas sim um homem abrigado pela “doutrina Mitterrand”, que concedia asilo a ex-ativistas que renunciassem à luta armada. Tinha endereço fi xo e se integrou à sociedade francesa, sem que sua presença jamais despertasse qualquer desconforto no país vizinho. 

Foi só com a chegada de governos de direita na França e na Itália que a doutrina Miterrand foi revogada. Battisti, então, fugiu para cá porque havia sido condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos. Mas como foram seus processos? Condenações à revelia, em que a única prova era a confissão de um delator premiado. Battisti chegou a ser condenado por dois assassinatos simultâneos, em duas cidades diferentes. É possível assegurar que ele não matou nenhuma das quatro vítimas? Não. Mas também não é possível afi rmar que ele foi o assassino. E foi justamente por isso que integrantes de organizações de extrema direita, que também mataram inimigos nos anos de chumbo italianos, foram inocentados. A Justiça daqueles tempos era uma justiça de exceção, ainda que a Itália fosse formalmente uma democracia. Portanto, Lula acertou ao não extraditá-lo. E Dilma não tem nada a temer. Dentro de poucos dias, ninguém estará falando no assunto. E haverá cada vez mais empresas italianas dispostas a investir no Brasil.