No histórico ano de 1968, feministas fervorosas se reuniam em praça pública para queimar sutiãs e exigir a igualdade entre os sexos. Elas já haviam conquistado o direito ao voto e ao trabalho, mas muito ainda estaria por vir. Agora, 40 anos depois, as mulheres parecem ter rompido a última barreira que as separava dos homens, pelo menos em âmbito profissional. O estudo "Boletim Mulher e Trabalho", da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, mostra que o sexo feminino fincou bandeira em território tradicionalmente masculino, o da construção civil. De setembro de 2007 a abril de 2008, a mão de obra feminina cresceu 15% no setor, enquanto a masculina foi reduzida em 6%. "Do total de brasileiras na formalidade, 0,7% está na construção civil", diz Luana Pinheiro, subsecretária de planejamento da secretaria. "São cerca de 69 mil mulheres nas seis principais regiões metropolitanas do País." O outrora sexo frágil agora pega pesado como pedreiras, carpinteiras, azulegistas, pintoras, encanadoras e eletricistas.

A rotina na obra do empreendimento O2 Corporate, um prédio de apartamentos na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, por exemplo, incorporou flagrantes da delicadeza feminina ao tradicional entra e sai de caminhões, às pilhas de plantas e ao barulho constante. Dos 135 funcionários, sete se destacam pelas unhas feitas, brincos e cabelos longos presos em coques debaixo do capacete. São as carpinteiras de fôrma, responsáveis por fazer e instalar moldes de madeira para concreto e pela segurança dos funcionários. A presença de mulheres em território marcado pela testosterona, no entanto, ocorre muito mais por necessidade do que por opção. Aos 44 anos, casada e mãe de uma adolescente, a carioca Lecticia Cordeiro é carpinteira há quatro meses. Por nove anos trabalhou em uma rede de farmácias e, em três deles, foi gerente. Perdeu o emprego e não conseguiu recolocação. Chegou a trabalhar como doméstica, mas se sentiu insatisfeita com o salário mínimo que recebia e com a rotina que levava. "Tenho orgulho de ser pioneira em meu trabalho", diz ela. "As mulheres eram criadas para cuidar da família e da casa, mas elas são boas em se reinventar, especialmente nas adversidades." A maior dificuldade que enfrentou foi a dureza da lida. Sua vida é carregar madeira, serrar, pregar, andar em terreno instável e subir e descer escadas. "Chego em casa quebrada", diz. "O lado bom é que os músculos das minhas pernas estão definidos." Ela, porém, não abre mão de seu lado feminino. "Esses dias martelei o dedo e dei um chilique."

As mulheres estão longe de ser realidade em toda obra. Ao mesmo tempo que sua presença é frequente em cidades como Rio de Janeiro, Canoas (RS) e Fortaleza (CE) – onde há projetos sociais que lhes dão treinamento profissional -, é praticamente nula em São Paulo. Mas como aconteceu em outros bastiões da masculinidade, como a carreira militar ou a aviação civil, a tendência não tem volta e é questão de tempo para que elas se tornem cada vez mais constantes. Quem defende o argumento é a engenheira carioca Deise Gravina, 52 anos. Ela é a idealizadora do Projeto Mão na Massa, que desde 2007 já formou 143 encanadoras, pintoras, carpinteiras e pedreiras, em parceria com o Senai. "Dessas, 70% estão empregadas com carteira assinada", orgulha-se. Para ela, que há 30 anos pisa em canteiros de obras, a revolução feminina na construção civil acontece na melhor hora, pelo menos no Rio. "O mercado está aquecido, especialmente por causa das obras do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – e da Copa do Mundo", diz.

A modernização de maquinários e materiais também foi fundamental para que a brecha para a entrada do sexo feminino fosse aberta. "Atualmente, a força física não é tão necessária", diz Deise. "Antes, era preciso misturar cimento, areia e brita para fazer o concreto, um esforço enorme. Hoje, geralmente, ele chega pronto na obra", explica. A construtora Cofix é entusiasta do trabalho das mulheres: são 15 carpinteiras em quatro obras. "Elas são mais detalhistas, organizadas e limpas e isso influencia, inclusive, os homens", diz Denise Rodrigues, diretora administrativa da Cofix. Há empresas que descobriram como tirar o melhor de cada sexo. A saída foi organizá-los em duplas de trabalho. Por exemplo, o homem lixa e a mulher pinta. "Enquanto eles ficam com o trabalho pesado, elas se dedicam ao acabamento final", diz o químico Fabrício Zanotta, assistente de contas da PPG Tintas, que colabora no projeto Mulheres em Construção, que desde 2006 já capacitou 240 moças de Canoas (RS) para a construção civil.

Até pouco tempo atrás, os peões estavam acostumados a ver mulheres apenas do lado de fora do canteiro de obras, de onde eram saudadas com gracejos descorteses. Talvez por isso a adaptação da operária Kelly Romena tenha sido tão complicada. "No início, assoviavam e mexiam comigo", conta. "Vira e mexe o mestre de obras tinha de intervir e pedir respeito." Aos 25 anos, a ex-recepcionista aprendeu a se impor. "Hoje me respeitam, mas nem todos entendem minha escolha", diz. "Falam que eu deveria ser modelo." Feminina, ela deixa a vaidade de lado no trabalho. Mas, para não embrutecer, faz aulas de dança do ventre uma vez por semana. Porém, após saltar a barreira da profissão, elas esbarraram noutra velha distorção. Segundo a pesquisa, as mulheres ganham 80% do salário inicial dos homens. Uma injustiça que pune a ousadia.