Um processo de oito volumes que tramita na 12ª Vara Federal de Brasília, em segredo de Justiça, revela um personagemchave que começa a jogar luz sobre a caixa-preta em que se transformou a primeira-secretaria do Senado Federal, controlada há uma década com mão de ferro pelo antigo Pfl, hoje DEM, responsável pela gestão de R$ 2,7 bilhões por ano. Trata-se de Aloysio de Brito Vieira, o “Matraca”, ex-presidente da Comissão de Licitação da Casa, que se tornou o operador de um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de propinas que funciona com a conivência ou participação de alguns senadores do DEM. Na tarde da quinta-feira 9, ISTOÉ apresentou documentos a um dos cabeças da organização que revelou como funcionava o esquema. Para fazer parte do pool de fornecedores do Senado, empresas eram obrigadas a pagar uma propina que, dependendo do valor do contrato, poderia chegar a 30%. “Só a empresa Ipanema foi obrigada a pagar R$ 300 mil reais por mês para o primeirosecretário Efraim Morais”, contou. A Ipanema Empresas de Serviços Gerais de Transportes Ltda., que recebia cerca de R$ 30 milhões porano pela terceirização dos funcionários da agência, jornal, rádio e TV da Casa, atuou no Senado até o final de março. Outras empresas como a Delta Engenharia Indústria e Comércio Ltda. e a Brasília Informática também teriam pago comissões a Efraim, segundo o participante do esquema.

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HERÁCLITO FORTES
Primeiro-secretário desde janeiro de 2009, isolou Aloysio na gráfica, mas nomeou o primo dele como gestor de compras

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ROMEU TUMA
Foi primeiro-secretário entre 2003 e 2004 pelo DEM, quando Aloysio comandava as licitações. Hoje está no PTB

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ALOYSIO DE BRITO VIEIRA
Ex-presidente da Comissão de Licitação, está no Senado desde 1982 e é o personagem central do esquema

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EFRAIM MORAIS
Primeiro-secretário de 2005 a 2008, é acusado de ter recebido R$ 300 mil mensais de uma prestadora de serviços

Durante a gestão de Efraim à frente da primeira-secretaria, o dinheiro desviado chegava às mãos do senador por intermédio do assessor parlamentar Eduardo Bonifácio Ferreira. Era ele quem levava o pacote com a dinheirama até o gabinete do senador democrata. A importância de Bonifácio era tamanha que ele detinha a chave do gabinete do primeiro-secretário. Bonifácio chegou a ser filmado e fotografado pelo serviço de inteligência da Polícia Federal, a partir do circuito interno de câmeras do Senado. Mesmo depois de perder o cargo de assessor, ele continuou com a chave do gabinete. Segundo detalhou à ISTOÉ o integrante do grupo, os pagamentos mensais eram feitos em cima das faturas dos contratos. Assim que a fatura das empresas chegava ao banco, o percentual da propina era automaticamente retirado.

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CONTRATOS MILIONÁRIOS
Minist ério Público cobra devolução de mais de R$ 36 milhões de Aloysio e outros participantes do esquema no Senado

Ligado ao senador paulista Romeu Tuma (que foi primeiro-secretário pelo DEM e hoje é filiado ao PTB), Aloysio entrou no Senado como servidor efetivo em 1982 e trabalhou no setor de compras e serviços a partir de 1999. Em 2003 deixou a área formalmente, mas continua a manter contatos com as empresas fornecedoras. Em março de 2008, Aloysio assumiu outra área sensível na Casa. Pelas mãos de Efraim, foi guindado à presidência da comissão encarregada de cuidar da verba indenizatória. Ali, atestou as suspeitas notas apresentadas pelos senadores. Este ano, em meio à crise em que mergulhou a Casa, Aloysio foi acomodado, por orientação do novo primeirosecretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), numa pequena sala localizada na gráfica da Casa. Submergiu para sair dos holofotes. Mas o setor de compras pouco mudou de mãos. Sem alarde, seu sócio e primo Max Silveira Vieira foi nomeado por Heráclito na terça-feira 7, por meio do ato número 35 de 2009, para a Comissão de Gestão de Contratos.

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LIGAÇÕES Nomeado por Heráclito, o novo diretorgeral do Senado, Haroldo Tajra, também é investigado

Aloysio virou diretor da Subsecretaria de Administração de Compras e Serviços em 1999. Antes comandou pelo menos cinco licitações na gráfica da Casa. “Fiz um trabalho benfeito, por isso fui alçado a diretor”, justifica. Em 2003, atuou na gestão dos contratos em parceria com o filho do então primeiro-secretário, o senador Tuma. Robson Tuma, o Tuminha, e passou a despachar no nono andar da Casa depois que perdeu o mandato de deputado. A ligação entre os dois, que no início era apenas profissional, redundou para uma amizade duradoura. Aloysio passou a ser frequentador assíduo das festas promovidas por Tuma em sua residência no Lago Sul. “Conversávamos, batíamos papo, nada demais. Fui uma vez ao aniversário do senador Tuma”, diz Aloysio. Depois que começou a operar a caixa-preta do DEM no Senado, Aloysio engordou seu patrimônio. Construiu uma mansão avaliada em R$ 2 milhões em Pirenópolis (GO), comprou apartamentos, carros de luxo, terrenos e, em sociedade com Max, um restaurante, o Unanimitá. “Gastei R$ 300 mil para fazer a reforma na casa. Esse é o valor dela”, afirma Aloysio. A família ainda tem um braço na área de informática: Vitor Guimarães Vieira, que, em 2005, durante a gestão de Efraim na primeira-secretaria, foi diretor executivo do Interlegis (portal dos poderes legislativos).

A capilaridade do esquema impressionou o Ministério Público, que denunciou Aloysio por formação de quadrilha, corrupção ativa e crimes da lei de licitações. ISTOÉ teve acesso à ação criminal. A associação criminosa, diz o MP, beneficiou pelo menos duas empresas: a Conservo Brasília Serviços Técnicos e a Ipanema Empresa de Serviços Gerais de Transportes. O MPF também denunciou Aloysio em ação civil de improbidade administrativa, na qual ele poderá ser condenado a restituir R$ 36,8 milhões ao Senado, por desvios nas licitações para contratação de veículos, de vigilância desarmada e para serviços de rádio e televisão.


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TRÂNSITO LIVRE Eduardo Bonifácio, apontado como recebedor das propinas, manteve a chave do gabinete de Efraim, mesmo sem função

Mais uma vez a Ipanema faz parte da lista de réus. Na ação, os procuradores dizem que o operador do DEM fazia um “loteamento” das licitações entre as empresas. Outros dois funcionários do Senado, Dimitrios Hadjinicolaou, que trabalhou na Comissão de Licitação, e Bonifácio, o dono da chave do gabinete de Efraim, também são citados como integrantes da mesma quadrilha. “Aloysio e Dimitrios foram fundamentais na estrutura da associação criminosa”, escreveu a procuradora Luciana Marcelino Martins em sua denúncia.

As escutas telefônicas feitas pela PF, autorizadas pela Justiça, mostram o grupo fazendo acertos sobre as licitações. Uma das escutas, feita no dia 11 de abril de 2006, mostra que Aloysio sabia de um dos ajustes entre as empresas e, “em razão das vantagens que recebeu” da empresa Ipanema, omitiu-se de tomar providências, diz a procuradora. Em outra escuta telefônica a PF constatou que Aloysio e Dimitrios prestaram “informações privilegiadas” ao empresário Paulo Roberto de Souza Duarte, gerente comercial da Ipanema.

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PARCERIA Robson Tuma atuou junto com Aloysio na gestão de contratos

Até a administração de Efraim, o DEM só comandava o setor administrativo do Senado, que era subordinado ao então diretor-geral indicado pelo PMDB, Agaciel Maia. Hoje, o ex-Pflcontrola os postos-chave. Haroldo Tajra, nomeado por Heráclito como novo diretor-geral, é primo de Jesus Tajra, primeiro suplente do senador piauiense. Haroldo, que tem suas raízes na Comissão de Licitação do Senado, também assessorou Efraim durante sua gestão à frente da primeira-secretaria. O primeirosecretário é o verdadeiro ordenador de despesas do Senado. Qualquer contrato acima de R$ 80 mil precisa da assinatura dele, daí a sua relevância estratégica na mesa diretora do Senado. Procurado por ISTOÉ, Efraim, segundo informação de sua assessoria, estava incomunicável no sítio Santa Luzia, no interior da Paraíba. Heráclito pediu que a revista encaminhasse as perguntas por e-mail, mas nenhuma resposta foi obtida até o fechamento desta edição, na sexta-feira 10, às 15h. As empresas citadas foram procuradas e preferiram aguardar a publicação da reportagem.

A liberdade de ação do DEM na primeira-secretaria, no entanto, pode estar com os dias contados. Um grupo de senadores decidiu enviar ao Ministério Público Federal uma representação pedindo auditoria em todos os contratos do Senado nos últimos quatro anos. Entre os senadores que tomaram a iniciativa de investigar os contratos estão José Nery (PSOL-PA) e Renato Casagrande (PSB-ES).

“Vamos fazer uma devassa nos contratos”, diz Casagrande. “A máfia dos contratos tem vínculo com as nomeações no Senado”, diz Nery. O senador do PSOL pediu as cópias dos contratos ao ex-presidente Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), mas até hoje o Senado não entregou os documentos. “Esses contratos são uma verdadeira caixa-preta e o DEM não pode ser proprietário da primeirasecretaria”, conclui Nery.


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