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Há pouco tempo esteve em cartaz em algumas salas de cinema, e para os felizardos que gostam do Canal Brasil, um instigante filme chamado “O Abraço Corporativo”. Dirigido por Ricardo Kauffman e produzido pela Ideia Forte, a mistura de documentário, humorístico e ficção provocativa divertiu mostrando como uma falsa (e patética) “notícia” pode virar manchete em questão de minutos nesses tempos de transição em que os meios digitais funcionam como uma espécie de pé de chumbo no acelerador de uma carreta ladeira abaixo. Por conta da concorrência brutal, da necessidade de produzir e de preencher espaços em escalas industriais, das equipes cada vez mais novatas e enxutas e das tentações que brotam aos borbotões na forma de press releases e de “novidades incríveis” se materializando nas telas de todos os tamanhos, o jornalismo não escapa do paradoxo que vivem praticamente todas as áreas da atividade humana nesses interessantes dias modernos. Quanto mais cresce, se multiplica e aperfeiçoa, mais frágil e imperfeito se revela.

Este senhor da foto tem conseguido levar com maestria essa tal transição entre uma época em que as redações tinham outra cara e ritmo e o corrido e massacrante pulso do jornalismo digital e instantâneo de hoje.

Não que a vida fosse exatamente mais fácil na década de 60. É isso, aliás, que descobre o leitor que se depara com “Realidade Re-vista” (Realejo Livros), escrito pela dupla de Zés, José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro.

Ribeiro, retratado na página ao lado pela objetiva sempre genial de Marcio Scavone, para a capa de uma edição da Trip de 2003, é considerado por grande parte dos interessados em jornalismo um dos mais importantes nomes da profissão no País. Ele, Marão e um time de feras de calibre semelhante foram os responsáveis por uma das mais ricas experiências do jornalismo impresso brasileiro, a revista “Realidade”, lançada pela editora Abril em 1966. O livro narra a combinação de competência, sorte, criatividade, investimento e talento que resultou na captação exata daquilo que os alemães batizaram de zeitgeist. De fato, nas reportagens reproduzidas nele, aparecem límpidos o espírito dos fervidos anos 60 no Brasil e em boa parte do mundo e os contornos do rosto – hoje já mais marcado – de uma cultura que ainda assistia à formação de seus traços estruturais. Coronéis nordestinos mandando com mãos de chumbo em regiões maiores do que muitos países explicam aos leitores mais novos a gênese de Sarneys e ACMs. Mulheres desquitadas, então tratadas como leprosas em busca da cura, mostram como abriram aos trancos a via asfaltada de liberdade por onde trafega boa parte das brasileiras de hoje. Chico Xavier, as descobertas da ciência ligadas às grandes questões da saúde, novas lideranças políticas estão surgindo… através de assuntos e pautas da revista na década de 60, se vê também outro aspecto curioso: como se repetem os pontos focais que interessam às pessoas ao longo das décadas e como o que faz a diferença no final é a forma de olhar para eles. Há diferentes teses sobre o fenômeno “Realidade” e as razões pelas quais, em cerca de seis meses, a revista já vendia 450 mil exemplares mensais nas bancas, uma marca muito difícil de alcançar mesmo nos dias de hoje. Mas nenhuma delas, que se queira crível, poderá deixar de passar pelos nomes de gente como Sérgio de Souza, Paulo Patarra, Eurico Andrade, David Zingg e dezenas de outros mestres que ensinaram a várias gerações de repórteres e jornalistas a importância fundamental de saber contar uma boa história. E, mais do que tudo, de saber olhar.

Por uma razão qualquer, Zé Hamilton não publica no livro a reportagem na qual relata o dia em que, acompanhando uma patrulha no Vietnã, pisou numa mina terrestre que lhe custou parte da perna esquerda. O acidente e o relato tão completo quanto emocionante são citados brevemente num texto pequeno que prepara o leitor para outra reportagem do autor, no mesmo cenário, descrevendo o dia a dia no front. Mas é fato que a matéria da capa da edição de maio de 68, com a foto de Zé Hamilton ferido com a roupa verde-oliva ensanguentada, é um marco da reportagem brasileira, que rendeu muita reflexão e até algumas passagens engraçadas. Talvez a melhor delas: perguntado uma vez, por um repórter em início de carreira, sobre como era exercer a profissão naquelas condições físicas, José Hamilton respondeu sem pensar muito: “Ser repórter com uma perna só é mais difícil do que com duas. Mas é mais fácil do que com quatro.”

Ribeiro continua exercendo a função de repórter com brilhantismo, na redação do programa “Globo Rural”, na Rede Globo, em São Paulo.