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ACLAMAÇÃO
Ovacionada pelo público, a presidente
se dirige ao Planalto para receber a faixa

Com pouca maquiagem no rosto, trajando um blazer vermelho e uma calça preta, Dilma Rousseff desembarcou no Palácio do Planalto para o seu primeiro dia útil de trabalho como presidente da República às 9h15. Ainda na garagem, foi recepcionada por integrantes do cerimonial palaciano, do Gabinete de Segurança Institucional e servidores de seu gabinete. Estava bem-humorada. Pegou o elevador privativo até o terceiro andar, cumprimentou funcionários e sem cerimônia entrou na sala presidencial para o seu primeiro compromisso do dia. Às 9h30 em ponto, iniciou o chamado briefing diário com a ministra da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas. Olhou os jornais, repassou com a ministra os principais assuntos do dia até que ouviu alguém batendo à porta. Era a ajudante de ordens para avisar, por meio de um bilhete, que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já havia chegado para a audiência seguinte. Dilma acenou positivamente com a cabeça, como quem dizia "tudo bem, obrigada". A servidora havia hesitado entre entrar ou não na sala da presidente. As colegas a tranquilizaram: "Pode entrar. A Helena é da casa, e a Dilma não vai brigar, fique à vontade." Bem à vontade estava era a presidente. Dilma conduziu os primeiros trabalhos com a naturalidade de quem já exercia aquelas tarefas há muito tempo. 

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MÃOS À OBRA 
A presidente reuniu ministros para discutir o PAC social e traçar as próximas metas

O estilo dela na cadeira presidencial é o mesmo de seus tempos de Casa Civil: o de executiva exigente que cobra metas, objetivos, pontualidade, horários e prazos dos subordinados. Já no primeiro encontro com Mantega, Dilma discutiu cortes orçamentários e medidas para conter a supervalorização do real diante do dólar. A presidente também tratou da reforma tributária. Determinou que a Fazenda faça todo o esforço para aprovar o projeto encaminhado pelo governo ao Congresso, que envolve a redistribuição de impostos para Estados e municípios e reclassifica os impostos por origem e destino. Como de praxe, estabeleceu uma data-limite. "Já neste primeiro semestre", fixou. O ministro da Fazenda, habituado com as cobranças de Dilma desde quando ela centralizou a administração do governo Lula, prometeu empenho. Mantega foi o segundo ministro do governo que mais esteve com a presidente na semana. Foram três audiências: uma na segunda-feira 3, outra na quarta-feira e a última na quinta-feira. O encontro de quarta para tratar mais uma vez da questão dos juros durou duas horas e ficou marcado como o despacho individual mais longo da semana.

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LIDERANÇA 
Com Palocci à sua direita, Dilma reúne-se com seu ministério

Ninguém superou o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, em número de audiências com a presidente. Foi ele o frequentador mais assíduo do gabinete de Dilma, presente em quase todas as reuniões. Palocci participou de alguns briefings matinais ao lado de Helena Chagas e do chefe de gabinete, Giles Azevedo, dos despachos individuais e de audiências da presidente com outros integrantes do primeiro escalão do governo. Seu primeiro contato com a presidente ocorreu na segunda-feira, das 11h30 às 12h55, sucedendo a audiência de Mantega. Dilma o convidou para almoçar em seu gabinete e estabeleceu, a partir daí, uma rotina que se repetiria ao longo da semana: a dos almoços em sua própria sala. A comida — normalmente arroz integral, feijão preto, legumes e uma carne — foi encomendada do restaurante dos servidores do Palácio. Nas conversas com Palocci, a presidente revelaria sua primeira grande preocupação: a queda de braço entre PMDB e PT por postos no segundo escalão do governo, sobretudo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS). Os cargos em disputa administrarão um orçamento de R$ 77 bilhões neste ano. O tema acabou sendo a primeira grande dor de cabeça do governo. Em meio ao tiroteio na base aliada, Palocci ficou encarregado de buscar um consenso entre os partidos. Os ministros da Saúde, Alexandre Padilha, e das Comunicações, Paulo Bernardo, foram designados para tentar conter a crise do PMDB com o governo. Dilma cobrou deles um quadro mais claro até o início da noite, quando aconteceria a primeira reunião da coordenação política.

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AGENDA CHEIA 
A presidente ainda recebeu chefes de estado como Mujica, do Uruguai (no alto), e Sócrates, de Portugal

Nos primeiros dias de trabalho como presidente da República, Dilma foi rigorosa no cumprimento dos horários. Quando algum subordinado demorou a realizar determinado serviço que ela mesma poderia fazer, tratou de executar pessoalmente a tarefa. Foi o que ocorreu na tarde de segunda-feira, quando uma de suas secretárias custou a fazer uma ligação solicitada. Dilma mesmo pegou o telefone e ligou. Tocou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

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"Você não vem para reunião?", questionou Dilma, que esperava o ministro para participar da audiência das 17h com o presidente do STF, Cezar Peluso. "Estou chegando. Ainda faltam cinco minutos", devolveu Cardozo. "Mas aqui o horário é o da ditadura", brincou a presidente. Ela referia-se à extrema preocupação que, durante o regime militar, os militantes de esquerda tinham com a precisão de horários para evitar problemas nos encontros e reuniões clandestinas. Mas Cardozo chegou a tempo.

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EMOÇÃO E HISTÓRIA
Lula passa a faixa, saúda sua afilhada Dilma como a
nova presidente do Brasil, e chora antes de deixar o Planalto como ex-presidente

Na terça-feira, Dilma decidiu alterar sua programação inicial para incluir reuniões com os ministros das Relações Exteriores, Antônio Patriota, às 16h, e da Educação, Fernando Haddad, às 17h. Um dos mais empolgados ao chegar ao gabinete presidencial, Haddad foi o primeiro ministro a levar um grande projeto para Dilma: a proposta de ensino médio integral. Pelo projeto, os alunos estudam o currículo regular durante a metade do dia e, no turno seguinte, fazem o ensino técnico profissionalizante. "Eu quero esse negócio implantado o mais rápido possível", ordenou Dilma. E imediatamente pegou o telefone, ligando para as ministras do Planejamento, Miriam Belchior, e do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, para pedir apoio ao projeto. Dilma ainda pediu a Haddad que procurasse o ministro da Fazenda para discussão dos detalhes financeiros. Ainda na terça-feira, a presidente começou a fazer um grande diagnóstico de todas as áreas do governo. Sua expectativa é de que os ministros já possam apresentar um cenário bem objetivo de cada setor na reunião ministerial do dia 14. Foi com esse objetivo que Dilma despachou por duas horas e meia com o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Como ex-ministra da pasta e conhecedora do setor, ela revisou todas as metas para cada projeto, em detalhes, principalmente nas áreas de hidrelétricas, termelétricas e petróleo, em que as cifras são astronômicas. "Nos próximos dez anos haverá investimento de R$ 1 trilhão em projetos sob a ótica do ministério", disse Lobão na saída do encontro.

Nenhum compromisso da agenda de Dilma teve atraso significativo durante a semana. Suas jornadas diárias de trabalho duraram em média 12 horas. A presidente chegou todo dia ao Palácio às 9h, almoçou às 13h, retomou a agenda religiosamente às 15h e deixou o Palácio por volta das 21h. Ninguém levou o costumeiro chá de cadeira dos tempos de Lula na Presidência. Nem mesmo na quarta-feira 5, quando ocorreram alguns imprevistos e, pela primeira vez, Dilma teve que almoçar às 14h. É que, neste dia, Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social, apareceu de surpresa para fazer uma prévia da reunião de quinta-feira que anunciaria o PAC de combate à pobreza, uma das prioridades do governo Dilma. Antes já havia acontecido outra visita extra, esta de cunho afetivo. Pela manhã, Dilma recebeu em seu gabinete a filha, Paula, e o neto, Gabriel, que residem em Porto Alegre. A visita permitiu a Dilma alguns minutos de fotos, beijos e abraços calorosos. No fim da tarde, enquanto recebia o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a presidente percebeu que a reunião a seguir, com Guido Mantega, não começaria no horário marcado. Determinou, então, que o ministro fosse avisado sobre o atraso. "Peça para o ministro Mantega ficar mais um pouco na Fazenda porque a audiência aqui ainda vai demorar mais alguns minutos", disse. Mantega chegou meia hora depois e foi poupado de ficar esperando na antessala do gabinete presidencial.

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EM FAMÍLIA
A presidente escolheu a filha, Paula, para
o desfile em carro aberto na Esplanada

Sobre a mesa do gabinete de Dilma repousou durante a semana o livro "Bachelet en Tierra de Hombres", da jornalista Patricia Politzer. Com 303 páginas, a obra é um relato não oficial da vida e do governo de Bachelet, que ficou na presidência do Chile de 2006 a 2010. Alguns políticos brincaram, perguntando se ela queria se inspirar na política chilena, que deixou o poder com mais de 80% da aprovação popular. Quem esteve em audiências com Dilma relata também momentos de descontração da presidente. Na reunião com o presidente da Câmara, no início da semana, dirigindo o olhar para Palocci e para o ministro Luiz Sérgio, de Relações Institucionais, perguntou: "Vocês conhecem mesmo o deputado Marco Maia?" Dilma lembrou que Maia, como secretário de Administração do governo gaúcho de Olívio Dutra, era quem determinava os cortes de gastos da Secretaria de Minas e Energia, coincidentemente comandada por ela em 2001, quando ambos eram colegas. Todos riram. Outro alvo das brincadeiras de Dilma foi o ex-chefe de gabinete de Lula, hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Por duas vezes, Dilma ligou para perguntar se ele já tinha telefonado para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de férias numa área militar do Guarujá. "Já falou com Lula, Gilbertinho? Já falou?", perguntou, numa alusão à combinação dos dois de se comunicarem ainda na primeira semana para "matar a saudade". 
 

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Um toque feminino no planalto

No Palácio do Planalto, a palavra "presidenta" não é apenas um substantivo para mostrar que o Brasil vive uma nova fase de costumes e ritos sob o comando de uma mulher. Logo pela manhã, inicia-se uma liturgia impensável para qualquer presidente que antecedeu Dilma. Diariamente, a maquiadora Rose Paz é chamada à residência oficial da Granja do Torto, onde a presidente ainda mora, nas primeiras horas do dia. Rose prepara o rosto de Dilma para receber a maquiagem mais discreta possível, o suficiente para a terceira mulher mais poderosa do mundo, segundo a revista "Forbes", sair bem nas fotos. Em seu gabinete, a presidente tem um kit para retoques, com corretivos, batom e demaquilante, que aprendeu a usar com o cabeleireiro Celso Kamura. E decidiu que não terá um assessor exclusivo para cuidar de sua própria imagem. Kamura, que mantém salão em São Paulo, só será chamado a Brasília em ocasiões especiais. "O cabelo da Dilma tem um volume legal. Eu a orientei a usá-lo natural", diz Kamura. A única dica é usar uma pomada para dar um ?estilo bacana?.

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São os pequenos detalhes que dão outra vida ao Palácio do Planalto. O terceiro andar inteiro, onde fica o gabinete da presidente, foi invadido por vasos de flores coloridas. Ao chegar, Dilma fez apenas uma alteração em sua sala. Pediu que um conjunto de sofá navona em jacarandá maciço e couro preto, da década de 60, de Sérgio Rodrigues, que estava no mezanino, substituísse o antigo de couro vermelho da época de Getúlio Vargas, que o ex-presidente Lula usava.

O visual ficou mais leve, mas Dilma ainda está em dúvida se manterá a alteração. Colocou ainda um porta-retrato com
a foto da filha, Paula, atrás de sua mesa de despachos.

Outra mudança percebida é que, pela primeira vez, todos os ajudantes de ordem do presidente da República serão mulheres. Lula não tinha nenhuma. Como não poderia deixar de ser, suas ajudantes mantêm kits de remédio, de acessórios e de costura próximo a ela. Creme para as mãos e colírio para as lentes também são novidade. Mas, ao contrário de Lula, Dilma é uma pessoa reservada, gosta de trabalhar sozinha e poucas pessoas terão acesso constante ao seu gabinete. Na mesma proposta de ampliar a participação feminina, apesar de falar francês, inglês e espanhol, a presidente terá uma tradutora de espanhol e italiano. Ela efetivou a mexicana Cynthia Garcia, filha de brasileira, que fez alguns trabalhos para o ex-presidente. Pode-se esperar da presidente do Brasil uma postura determinada e enérgica, mas sempre impecável, com um batom nos lábios. (Adriana Nicacio)