Rotulada por deixar o filho de 9 anos andar sozinho no metrô de Nova York, ela diz que os pais, hoje, são superprotetores

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Quando a escritora americana Lenore Skenazy, 49 anos, contou aos leitores de sua coluna no jornal The New York Sun que ela e o marido deixaram o filho, Izzy, então com 9 anos, atravessar a cidade sozinho de metrô, esperava reações indignadas – mas nem tanto. Foi sabatinada em alguns dos principais programas de tevê dos Estados Unidos e acabou rotulada de “a pior mãe da América” por ter exposto o menino ao que foi considerado um grande risco. Pouco mais de um ano depois, ela é a famosa criadora do movimento Free Range Kids (algo como crianças independentes) e lança um livro com título idêntico. Ambos batem na mesma tecla: as crianças precisam de mais autonomia. “Essa ideia de que estamos sendo bons pais ao tratar nossos filhos quase como inválidos não faz nada bem a eles”, afirma. Isso, frisa, é diferente de zelar pela segurança. Lenore, por exemplo, obriga seus dois filhos, de 11 e 13 anos, a usar capacetes quando andam de bicicleta, recrimina-os se atravessarem a rua sem olhar para os lados e não permite que entrem numa piscina sem a presença de um adulto.

ISTOÉ – O que pretendia ao deixar seu filho andar de metrô sozinho aos 9 anos?
Lenore Skenazy

Queria estimular a independência dele. Não temos carro e andamos muito de metrô e de ônibus em Nova York. Ele estava familiarizado com esses transportes e perguntava por que não poderia andar sozinho. Eu e meu marido conversamos e decidimos levá-lo a um ponto da cidade, onde o deixamos. Ele teria que usar o metrô e um ônibus para chegar em casa. Se tivesse algum problema, poderia pedir ajuda a alguém. Confiávamos nele. Sentíamos que estava preparado. Quando chegou em casa, estava extremamente feliz. Sentia-se capaz. Isso é algo que os pais deveriam celebrar.

ISTOÉ – Por que acha que houve tantas reações indignadas à sua decisão?
Lenore Skenazy

As coisas mudaram muito em termos do que achamos necessário fazer para manter nossos filhos seguros. Um exemplo: só 10% das crianças americanas vão para a escola sozinhas hoje em dia. Mesmo quando vão de ônibus, são levadas pelos pais até a porta do veículo. Chegou a ponto de colocarem à venda vagas que dão o direito de o pai parar o carro bem em frente à porta na hora de levar e buscar os filhos. Os pais se acham ótimos porque gastam algumas centenas de dólares na segurança das crianças. Mas o que você realmente fez pelo seu filho? Se o seu filho está numa cadeira de rodas, você vai querer estacionar em frente à porta. Essa é a vaga normalmente reservada aos portadores de deficiência. Então, você assegurou ao seu filho saudável a chance de ser tratado como um inválido. Isso é considerado um exemplo de paternidade hoje em dia.

ISTOÉ – Como se pode dar mais independência às crianças?
Lenore Skenazy

A mensagem que você tem de passar para os seus filhos é a de que você os ama e vai ensiná-los a se cuidar no mundo. Se você dá a eles as ferramentas para serem independentes, os ensina a cruzar a estrada da vida em segurança. Uma criança que acha que não pode fazer nada sozinha, no fim das contas não pode mesmo. Toda a ideia da autoconfiança e da autoestima não vem com a ajuda dos pais. Você tem que fazer coisas sozinho para descobrir quem você é.

ISTOÉ – Em que idade se deve começar a dar mais liberdade?
Lenore Skenazy

Depende, mas um bom parâmetro, que adotei em casa, é a sua própria infância. Se você fazia determinada coisa com 8, 10 ou 12 anos, deve deixar seu filho fazer a mesma coisa na mesma idade. Conheço mães que quando tinham 10, 12 anos eram babás e cuidavam de crianças de cinco anos ou até de recém-nascidos. Eram dignas de confiança nessa idade. Hoje os pais não deixam os filhos de 12 anos sozinhos nem para ir ao supermercado. Em uma geração regrediu-se tanto a ponto de acreditarmos que uma criança de 12 anos é incapaz de cuidar de si própria?

ISTOÉ – E quando a vizinhança é perigosa?
Lenore Skenazy

Se você se sente inseguro fora de casa por razões reais, não porque ouviu na tevê que uma criança foi sequestrada em Portugal ou em Aruba, deve levar isso em consideração na hora de mandar ou não seu filho para a escola sozinho. Mas há outros meios de estimular a independência. Você pode pedir que a criança faça o jantar. Ela pode também cuidar dos irmãos mais novos enquanto os pais vão ao cinema. Outra oportunidade de fazê-los sentir-se mais crescidinhos é estimular o trabalho voluntário, como fazer visitas a um asilo, porque eles vão se sentir mais responsáveis.

ISTOÉ – Você nunca foi uma mãe superprotetora?
Lenore Skenazy

Fui, sim. Quando meus filhos nasceram, morávamos num apartamento de um quarto só, mas comprei uma babá eletrônica. Eu não precisava dela para ouvir o bebê chorando no quarto, mas a usava mesmo assim. Por que eu comprei? Porque eu achava que precisava. Todos tinham uma babá eletrônica. Hoje em dia as pessoas compram babás eletrônicas com câmera e infravermelho. Nem a criança que dorme em seu quarto está segura?

ISTOÉ – Esse medo é maior nos Estados Unidos?
Lenore Skenazy

Não. Na Inglaterra, por exemplo, chegou-se a ponto de que, se alguém quer ser professor infantil, líder de colônia de férias ou mesmo o responsável pelos bolinhos servidos nas festas escolares, essa pessoa tem de passar por uma checagem de antecedentes criminais, para que todos se certifiquem de que não é um pedófilo. Você tem que provar que não é um predador de crianças antes de poder levar bolinhos para a sala do seu próprio filho. Essa perspectiva está contaminando o mundo todo. Ironicamente, quando estimulo os pais a dar mais liberdade aos filhos, pretendo justamente deixá-los mais seguros.

ISTOÉ – Como assim?
Lenore Skenazy

Os pais devem querer que os filhos se sintam confortáveis ao redor de estranhos, não que tenham medo deles. Por duas razões. A primeira é que você quer que eles percebam quando algo realmente esquisito está acontecendo. Eles vão saber se tiverem a esperteza de quem anda na rua. A segunda é que eles saibam que podem e, em algumas circunstâncias até devem, falar com estranhos, porque esses estranhos podem ajudá-lo se um dia estiver em perigo.

ISTOÉ – Muitas mães dão celulares aos filhos para monitorar a vida deles. Seus filhos têm telefone?
Lenore Skenazy

Agora têm. Mas quando deixei o mais novo, hoje com 11 anos, andar de metrô sozinho pela primeira vez, aos 9, eu tinha certeza de que se tivesse um telefone iria perdê-lo, como perde a mochila, o casaco. Naquele dia, dei a ele só um mapa do metrô, uma nota de US$ 20 e algumas moedas para o telefone público, caso fosse necessário. Mas hoje os dois têm, e acho conveniente. Depois da escola, se eles vão para a casa de um amigo ou a um parque, fico feliz que eles tenham um telefone e possam me avisar que vão chegar mais tarde. Mas há coisas que me incomodam nos celulares.

ISTOÉ – Quais são?
Lenore Skenazy

A primeira, é que quando os filhos não atendem, os pais imediatamente ficam preocupados: “O que aconteceu que ele não atende o telefone?” Esse é um pensamento automático. O aparelho que deveria tranquilizálo acaba deixando-o maluco. A outra coisa é que os pais terem celulares significa que os filhos podem ligar a qualquer momento.

ISTOÉ – Mas você não gosta quando eles ligam?
Lenore Skenazy

Nem sempre. A minha intenção é dar mais independência às crianças, mas o celular às vezes só substitui a presença dos pais. Eles me ligam e me fazem tomar decisões por eles.

“Posso comer um biscoito antes do jantar?” “Posso parar no parque mesmo tendo tarefa para fazer?” São decisões que, quando você cresce, você tem de tomar sozinho e lidar com as consequências. O celular facilita para os filhos continuarem dependendo de nós e para continuarmos controlando-os. Não quero isso. Quero que eles tomem as próprias decisões. Uma dica para os pais é sair de casa um dia sem celular e obrigar os filhos a tomar as decisões por eles mesmos. Tirei isso de uma situação com meu filho mais velho. Ele um dia me ligou para saber se podia comer mais uma fatia de pão no café da manhã. Ele tinha 10, 11 anos. Não podia decidir sozinho? Se está com fome, coma. Não quero gerenciar cada detalhe da vida deles, e o celular dá espaço para isso. Deixar o celular em casa de vez em quando quebra essa ligação compulsiva.

ISTOÉ – E quando essa superproteção é vista como prova de amor?
Lenore Skenazy

Sejam os pais superprotetores ou liberais, todos são motivados por amor. Todos querem o melhor para seus filhos. Mas deixar as crianças caírem e depois se levantarem sozinhas é bom para elas. Poderão se tornar mais confiantes porque perceberão que podem superar uma decepção, uma dificuldade, um desafio. Ficarão mais fortes, ao contrário do que acontece quando são superprotegidas. Melhor do que fazer tudo pelos filhos é dar, aos poucos, oportunidades para que eles façam coisas sozinhos. No futuro, eles se sentirão capazes de enfrentar e conquistar o mundo.

ISTOÉ – Por que os pais estão tão superprotetores?
Lenore Skenazy

Há muito mais mídia do que quando eu estava crescendo. Esse é um dos motivos. Como as emissoras de tevê competem entre si, elas precisam ficar medonhas, porque os programas têm mais audiência. Ninguém quer ver um telejornal que só mostra um furto de carteira. Se você mostra um cara esquisito perseguindo uma menina de 7 anos enquanto ela anda de bicicleta, todos vão assistir. Os americanos não costumam se interessar muito pelo que acontece nos outros países, mas, se uma criança some em Aruba ou em Portugal, todo mundo sabe, porque os noticiários ficam buscando histórias como essas. Aí, é como se fosse comum uma criança ser roubada dos pais, mas não é. Só sabemos o nome de Madeleine, a menina britânica que desapareceu em Portugal em 2007, porque o sumiço dela é um evento raro.

ISTOÉ – Muita gente diz que a culpa é dos pais, que a deixaram sozinha. O que acha disso?
Lenore Skenazy

Culpar os pais por tudo o que acontece com a criança é outra razão para essa superproteção. Existe o desejo de sempre ter alguém para culpar.

E normalmente acaba sendo os pais. No caso de Madaleine, em vez de culpar algum maluco que a raptou, culpam os pais por deixá-la sozinha. Eu nunca disse que coisas ruins não acontecem. Mas se a todo o momento você pressupõe que aquele pode ser o último minuto do seu filho, caso você não cuide dele direito, você não poderia desgrudar dele nunca.