Quem acreditou que o Mercosul estava ameaçado por causa da chamada “guerra das geladeiras” se enganou. Os números do primeiro semestre mostram que a saúde do bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai vai muito bem, obrigado. No setor automobilístico, carro-chefe dos negócios, o volume de importações e exportações entre Brasil e Argentina, de janeiro a julho, já passou de US$ 1,5 bilhão, quase o total do ano passado, que chegou a US$ 1,8 bilhão. Para o embaixador Luiz Filipe Macedo Soares, subsecretário-geral do Itamaraty e coordenador do Mercosul, o bloco mostrou sua força, passando “com louvor” pela briga das geladeiras, como antes tinha superado problemas com frangos, calçados e têxteis. “O acordo obtido após muita negociação entre os governos e os empresários, pelo qual a Argentina reserva para o Brasil metade do seu mercado de fogões e geladeiras, reflete a confiança mútua e a disposição de negociação. Agora é hora de consolidar a integração plena do bloco”, afirma o embaixador. No governo brasileiro, o consenso é que chegou o momento de seguir em frente, definindo ações de médio e longo prazo, como o estabelecimento de uma política industrial comum, que culminará com a integração da produção entre Brasil e Argentina, por exemplo.

Uma prova dessa nova atitude dos dois principais sócios do Mercosul, especialmente após as posses dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nestor Kirchner, que recolocaram o crescimento do bloco como prioridade, foi a realização, na quinta-feira 29 em Brasília, de uma longa reunião técnica entre representantes do Brasil e da Argentina. No encontro, que teve gente de alto escalão do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, pelo lado brasileiro, e da Chancelaria e do Ministério da Produção, pelo lado argentino, foi definida a estratégia para discussão e elaboração da política industrial comum, que porá fim a pendências localizadas. Está decidido que, daqui para a frente, participarão regulamente das reuniões e debates, além das equipes dos governos, lideranças empresariais dos dois países. “Temos que ser mais ativos na integração industrial. O trabalho conjunto entre governo e empresariado deve garantir o estabelecimento de políticas concretas capazes de criar um círculo virtuoso na atividade econômica”, afirma o coordenador do Mercosul.

O setor automotivo, que, por força dos interesses empresariais das próprias montadoras multinacionais, já mostra uma integração entre as fábricas no Brasil e na Argentina, servirá como uma espécie de modelo inicial. Diplomatas lembram que várias montadoras já fabricam carros “Mercosul”, nos quais ocorre um grande intercâmbio de peças e equipamentos. Esse tipo de aproveitamento integrado de linhas de produção, para os técnicos do governo brasileiro, poderá ser usado em outros setores da indústria, como os próprios fogões e geladeiras.

Mas o Itamaraty não trabalha apenas visando a uma futura integração industrial do Mercosul. “O objetivo é muito mais amplo e passa pela livre circulação de
bens e serviços, pelo livre trânsito da mão-de-obra e pela completa equiparação entre os sistemas educacionais, com validade dos diplomas entre todos os países. Em suma, um bloco econômico, político e social”, afirma, sonhando alto, o embaixador Luiz Filipe.

Ele comenta que também será necessário vencer “hábitos arraigados” no
que se refere a controles fronteiriços e de aeroportos, que a união aduaneira
tornará supérfluos. Hoje, por exemplo, nos aeroportos brasileiros, há filas diferentes de controle de passaportes para brasileiros, Mercosul e “outros estrangeiros”. Segundo o coordenador do Mercosul, essa divisão não tem lógica. “Não pode haver uma fila para brasileiros e outra para viajantes do Mercosul. Somos uma coisa só”, critica o embaixador.

Picuinhas como essas, levadas para o campo econômico, acabam gerando
“crises” como a das geladeiras. Luiz Filipe Macedo Soares mostra que, apesar desse tipo de comportamento, o Mercosul já é uma realidade também em termos jurídicos. “Mais da metade do arcabouço legal do bloco já está formalizada. Não se pode pensar em ‘dar um tempo’, como se o Mercosul fosse um casal em crise. Não é possível dizer que uma lei terá sua validade suspensa por determinado período”, critica. Para o Brasil, a crise das geladeiras foi reflexo de uma retomada do crescimento econômico argentino.

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“São as boas dores do crescimento”, garante o chanceler Celso Amorim, que passou a semana toda em Genebra negociando com os parceiros da Organização Mundial do Comércio (OMC) a reabertura da chamada Rodada Doha (ciclo de discussões em torno das regras globais de comércio) e, de quebra, o acordo União Européia-Mercosul. Na semana passada, as negociações com os europeus haviam sido suspensas por conta de uma oferta considerada fraca pelos sul-americanos.

 


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