Se La Fontaine fosse vivo e circulasse pelo Brasil de hoje, ele não escreveria mais sobre raposas e uvas, lebres e tartarugas ou leões e ratos. A fábula perfeita de La Fontaine, que resumiria a era Lula, caberia numa só palavra: Visanet. Em 2005, esta empresa, maior processadora de cartões de crédito na América Latina, era o Santo Graal da oposição. O caso Visanet forneceria a única evidência de dinheiro público no escândalo do Mensalão. Estruturada como um consórcio de várias instituições financeiras, entre elas o Banco do Brasil, a Visanet tinha um fundo de verbas publicitárias, cuja destinação era decidida por cada um dos bancos associados. No caso do BB, a agência escolhida, no início do governo Lula, foi a DNA, do empresário Marcos Valério, que recebeu uma antecipação de R$ 58,3 milhões. Um valor muito próximo aos empréstimos que Valério havia conseguido levantar para que o PT pagasse duas dívidas da campanha presidencial de 2002.

A evidência parecia tão forte que o caso acabou sendo o capítulo mais importante da peça de denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, contra os 40 acusados no processo do Mensalão – a Visanet era o miolo da picanha. Naquele momento, a oposição movimentava-se com a agilidade de uma lebre e o governo Lula, atordoado e jogado às cordas, andava a passos de tartaruga. Mas assim como na fábula de Esopo, recontada por La Fontaine, a lebre se imaginava tão perto da linha de chegada que decidiu dormir um pouco para descansar. E a tartaruga continuou se movendo. Os anos se passaram, o Mensalão foi esquecido e a economia brasileira virou a bola da vez. Resultado: na semana passada, a Visanet fez o maior lançamento de ações do mundo em 2009. A empresa levantou R$ 8,3 bilhões e houve filas de investidores – nacionais e internacionais – para comprar os papéis da empresa. A razão é bem simples. O consumo no Brasil não pára de crescer e os cartões de crédito chegaram a todas as classes sociais. A Visanet, que provaria o uso de recursos públicos no Mensalão, virou a maior prova do sucesso da era Lula. É o retrato de um Brasil que, feliz, vai às compras.

Tendo perdido a oportunidade de derrubar o governo Lula, a oposição, antes lebre adormecida, passou a se comportar como a raposa que vê um cacho delicioso de uvas e não consegue alcançá-lo. E, assim como na fábula de La Fontaine, afasta-se do cacho dizendo que as uvas ainda estavam verdes. O impeachment de Lula, cogitado pelos oposicionistas em 2005, ficou para trás. Moral da história: se você não for ágil o suficiente para devorar o miolo da picanha, alguém fará isso em seu lugar. E pagará com cartões de crédito.