Para ajustar eventuais perdas de poder aquisitivo, premiar o esforço concentrado exigido pela Câmara ou pela simples ideia de que eles merecem mais do que os outros, parlamentares federais decidiram aumentar seus salários no exorbitante valor de mais de 60%? “É que trabalhamos muito e dedicamos nossas vidas a servir o público”, disse um deles. “O aumento é correto, fi co 200 horas por ano nos aviões!”, completou o outro. “Ainda não é o aumento ideal, está incompatível com as nossas necessidades”, alegou um dos mais convictos da medida. Essas singelas respostas dos deputados soam como uma bofetada na cara de milhões de brasileiros que, também eles, dedicam boa parte de suas vidas a extenuantes expedientes de trabalho, sem que com isso tenham o direito de advogar em causa própria, majorando o sagrado soldo de cada mês. Não há nesses casos generosos reajustes de pró-labores ou qualquer chance de ignorar a vontade do distinto pagador. Os deputados, sem nenhum constrangimento, dando de ombros para os anseios do contribuinte – que é, em última instância, quem banca a farra –, meteram a mão na folha e reviram, bem para o alto, seus ganhos. Os trabalhadores comuns, em muitos casos, varam a noite em até três ou quatro atividades para cobrir as despesas e não conseguem hoje sequer um décimo dessa remarcação em campanhas salariais. Seguem com o mirrado rendimento e assistem resignados ao espetáculo brasiliense. Indigna a qualquer cidadão comum, cumpridor de deveres, ouvir o despautério de representantes do Legislativo – como Sergio Moraes (PTB-RS), Nelson Lima (PR-SC) ou Celso Maldaner (PMDB-SC), autores de lamentáveis explicações para o inaceitável. A aberração do reajuste só é possível porque são os deputados uma das poucas categorias com poder de decidir e escolher quanto desejam receber. Nesta conta dos 62% de aumento, cada parlamentar brasileiro passou a custar aos cofres públicos mais do que seus pares em outras partes do mundo. A nova remuneração, anualizada em dólar, alcança US$ 204 mil, o que é mais do que se paga nos EUA, Japão e em toda a União Europeia. E representa quase 20 vezes a renda por habitante do País. Agora imagine você, caro leitor, que um belo dia lhe é outorgada a dádiva de escolher quanto almeja ganhar por sua atividade. Naturalmente, deliberar sobre um assunto desses com o dinheiro dos outros é muito melhor. Difícil resistir à tentação? A maioria dos políticos, à revelia de qualquer princípio ou pruridos pelo prejuízo coletivo, acha que sim. E por isso mesmo resolveram conceder tamanho presente de Papai Noel para eles mesmos.