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PROMESSAS
Congresso ainda não votou autorização para
o governo indenizar as famílias dos militares mortos no Haiti

Cemitério Parque Memorial, Estrada Municipal Santa Rita 231, zona rural da cidade de Lorena, sepulturas 39 e 40. Neste pedaço de chão estão sepultados lado a lado os corpos e os sonhos de dois dos 18 militares brasileiros que morreram no terremoto que devastou o Haiti no início do ano: os cabos do Exército Douglas Pedrotti Neckel e Washington Luiz de Souza Seraphin, à época com 24 e 23 anos, respectivamente. É também neste descampado que há quase um ano Ana Lúcia Pedrotti, mãe de Douglas, passa de três a quatro manhãs da semana num pranto silencioso. No dia 12 de janeiro completará um ano da catástrofe que matou, além dos brasileiros, mais de 200 mil pessoas. Desde o fatídico dia, os Pedrotti, assim como outras 17 famílias, levam a vida em sobressalto.

Não bastasse enfrentar a dor da perda, os familiares dos combatentes convivem com outra realidade não menos dura: longe das honrarias, viúvas e órfãos não receberão o que lhes foi prometido nas inúmeras cerimônias e estão passando por dificuldades financeiras. Assim que os corpos chegaram ao Brasil, em 20 de janeiro, o presidente Lula prometeu que iria indenizar cada família em R$ 500 mil, além de dar uma bolsa educacional de R$ 510 mensais a cada filho em idade escolar. Em junho, o pedido de indenização chegou ao Congresso Nacional, em novembro o crédito foi aprovado na Comissão Mista de Orçamento e até hoje a autorização do pagamento não foi votada em plenário pelos parlamentares. “Os congressistas são ágeis para aumentar os próprios salários, os outros casos não são prioridade”, critica Heloísa Camargos, viúva do subtenente Raniel Batista Camargos, morto no desabamento do Forte Nacional, um dos pontos de apoio do Exército brasileiro no Haiti. Desde a morte do marido, a vida de Heloísa virou de cabeça para baixo. Professora estadual em São Paulo, ela rescindiu seu contrato com o Estado e optou por continuar a vida ao lado dos pais em Fortaleza, no Ceará, onde atualmente leciona. “Nossos militares viraram apenas números para o Exército e nenhuma promessa de indenização foi cumprida”, diz.

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DOR
Ana Lúcia Pedrotti (acima)  vai semanalmente ao túmulo
do filho, Douglas; e Ruth (abaixo) se sente humilhada com o descaso
do Exército com as famílias dos militares mortos

 

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Sem dinheiro ou perspectiva da reparação financeira, muitos familiares dos combatentes mortos estão diante de outros infortúnios econômicos. Primeiro, o Exército só pagou metade do seguro de vida das vítimas. Decisão justificada no entendimento de que os combatentes morreram de forma natural e não acidental – caso em que receberiam a apólice integral, de R$ 200 mil a R$ 600 mil. “É um desrespeito”, reclama Cely Zanin, viúva do coronel João Eliseu Souza Zanin, um dos chefes da missão humanitária. Cely é uma das três representantes das famílias dos militares mortos que há meses tentam negociar com o comando militar uma saída para o problema. “Na avaliação do Exército, é como se nossos maridos e filhos tivessem algo como um infarto numa colônia de férias”, denuncia. Contrariada, Cely distribuiu no último mês uma carta aos militares da ativa revelando “a forma humilhante” como os familiares vêm sendo tratados pelo alto comando militar.

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O Ministério do Exército confirma o pagamento de metade do seguro. “O fato de os militares terem falecido no cumprimento de uma missão humanitária do Exército brasileiro não altera o valor concedido, uma vez que a origem dos óbitos foi um terremoto”, diz o general Clovis Jacy Burmann, presidente da Fundação Habitacional do Exército (FHE) e da Associação de Poupança e Empréstimo (Poupex). “A Fundação Habitacional do Exército decidiu pelo pagamento, em caráter excepcional, da indenização securitária, uma vez que o evento terremoto não está previsto nas coberturas”, afirma Burmann. A justificativa do general, segundo Cely, não pode ser levada em consideração, já que o Decreto Militar Nº 57.272, de 16 de novembro de 1965, conceitua a morte de militares em viagens como acidente em serviço. “Nossos militares morreram fardados, a serviço do Brasil”, desabafa Heloísa.

Para os familiares, os disparates não se resumem à questão da indenização ou ao seguro. Outro problema refere-se ao pagamento do auxílio funerário. Sem uma explicação clara, o Exército depositou R$ 11 mil da ajuda financeira para o sepultamento dos 18 militares nas contas bancárias das próprias vítimas, o que impediu que dez famílias, que não tinham contas conjuntas, sacassem o dinheiro. “Isso é uma aberração”, reclama Heloísa. O Exército confirma à Istoé os créditos nas contas das vítimas, mas defende-se alegando que apenas cumpriu a lei. “Meu filho pagava boa parte das despesas da casa”, conta Ruth Gonçalves, 55 anos, mãe do soldado Felipe Gonçalves Júlio, 22. “Até hoje não consegui autorização judicial para sacar o dinheiro do meu filho”, diz ela. “Sinto-me humilhada pelo Exército. É um descaso total”, diz Ruth.

Trapalhadas burocráticas ou não, o certo é que simples falhas complicam ainda mais a vida dos familiares. “O Exército não fez nada por nós, a não ser nos entregar nossos filhos num caixão”, desabafa Maria Aparecida Souza Lima, mãe do 3º sargento Rodrigo, que, desde a tragédia, mal consegue andar, em função de uma degeneração do tórax. Com ela aconteceu algo pior. Depois da ajuda financeira de amigos para contratar um advogado, ela conseguiu uma liminar para acessar a conta do filho. Qual não foi a surpresa: Maria Aparecida descobriu que o saldo era de R$ 13. “O dinheiro do meu filho sumiu”, denuncia a mãe do sargento. O Ministério da Defesa preferiu não se manifestar a respeito das acusações dos familiares dos militares.
 


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