Após 17 anos, o ator volta a protagonizar uma minissérie da Rede Globo e conta como se livrou das drogas

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Felipe Camargo é um sobrevivente a quem a vida oferece a chance de se reinventar sem precisar apagar o passado. O ator carioca que mergulhou nas drogas na década de 1990 tem motivos para comemorar: está há 13 anos livre da dependência e voltará a protagonizar uma produção da Rede Globo, a minissérie "Som e Fúria", após quase duas décadas longe dos destaques da emissora. Esse trabalho é a sua oportunidade de reconquistar a visibilidade depois desse tempo de ostracismo no qual fez papéis menores – e, mesmo quando estrelou novelas, não teve repercussão. Quem o coloca no time dos grandes atores é o cineasta Fernando Meirelles, diretor de "Som e Fúria". Na terça-feira 7 ele voltará à emissora que o lançou ao sucesso em 1982, na minissérie "Anos Dourados".

Agora ele interpretará o personagem Dante, um diretor teatral inspirado em Hamlet, do dramaturgo inglês William Shakespeare. Aos 48 anos, Camargo continua com um porte elegante, mas traz no rosto as marcas do tempo. Atualmente, o seu único vício é fumar cigarrilha de baunilha. Parece tranquilo e se orgulha de criar o filho, Gabriel, 16 anos, que mora com ele na Barra da Tijuca. A mãe do adolescente é a atriz Vera Fischer, com quem o ator viveu um casamento permeado de agressões, escândalos e processos que alimentaram a mídia. Mas tudo faz parte do passado. Camargo carrega um chaveiro com a frase "Só por hoje", lema do grupo Narcóticos Anônimos (NA) que ele frequenta. "O NA me salvou", afirma Camargo. "Sei o valor da minha recuperação e isso ninguém tira de mim."

ISTOÉ – Acha que os escândalos em que se envolveu nos anos 1990 (a dependência de drogas e as brigas públicas com Vera Fischer) atrapalharam sua vida profissional?
Felipe Camargo

Houve escândalos na vida de diversas pessoas e nem todas foram prejudicadas profissionalmente. Se fui preterido por causa disso, foi injusto. A Vera nunca foi afastada da Rede Globo. Talvez a justiça esteja sendo feita agora, por eu estar voltando à tevê de uma forma bacana. Mas eu não quis muito saber disso. Aprendi que não dá para ficar reclamando demais. Se as coisas não estão acontecendo da maneira como você quer, às vezes, é preciso se adequar.

ISTOÉ – Acha que os escândalos em que se envolveu nos anos 1990 (a dependência de drogas e as brigas públicas com Vera Fischer) atrapalharam sua vida profissional?
Felipe Camargo

Houve escândalos na vida de diversas pessoas e nem todas foram prejudicadas profissionalmente. Se fui preterido por causa disso, foi injusto. A Vera nunca foi afastada da Rede Globo. Talvez a justiça esteja sendo feita agora, por eu estar voltando à tevê de uma forma bacana. Mas eu não quis muito saber disso. Aprendi que não dá para ficar reclamando demais. Se as coisas não estão acontecendo da maneira como você quer, às vezes, é preciso se adequar.

ISTOÉ – A que o sr. credita os 17 anos de afastamento da Rede Globo, a emissora que o tornou famoso?
Felipe Camargo

Isso não foi por falta de vontade minha. Até pedi, algumas vezes, chances e oportunidades lá. Então, não posso especular os motivos. Tenho o maior orgulho de ser ator há 27 anos e de ter sempre vivido de minha profissão. E, ao mesmo tempo, esse período que fiquei afastado foi de um crescimento enorme. Fiz cinema, protagonizei em outras emissoras, trabalhei bastante no teatro, produzi e dirigi espetáculos. Eu me aperfeiçoei. Para muita gente, se não se está na Rede Globo, está-se no ostracismo.

ISTOÉ – Sua época de auge na televisão coincidiu com a entrada no mundo das drogas?
Felipe Camargo

Eu vim de uma geração em que usar droga era legal, diferentemente da geração de meu filho, Gabriel, de 16 anos. A droga existe desde o início dos tempos, mas especialmente nos anos 1960, por conta dos grandes ídolos da música, que mais ou menos determinam o comportamento, ela se espalhou no mundo inteiro. E eu tinha só 14 anos. Ou você era um careta, bobão, ou era o cara. Eu e mais uma multidão, em todo o mundo, fizemos a segunda opção.

ISTOÉ – Sofreu preconceito?
Felipe Camargo

Existe um julgamento muito severo com quem usa drogas. Eu era um cara jovem que circulava, frequentava a noite como todo mundo. Só que, na época em que era o primeiro ator da minha faixa etária na Rede Globo, o sucesso incomodava e o assédio foi muito maior. Eu não merecia essa carga toda em cima de mim. O que acho realmente importante é que vivi isso tudo e parei.

ISTOÉ – Há quanto tempo?
Felipe Camargo

Estou há 13 anos em recuperação. São 13 anos, não é da noite para o dia. Demandou muito esforço, autoconhecimento, boa vontade, humildade. Eu sei o valor disso e ninguém me tira esse valor. As pessoas gostam do rótulo de ex-drogado. Eu não sou mais viciado, sou um vencedor. Sei quanto é difícil porque vejo que a grande maioria das pessoas que se envolvem dessa forma com drogas não consegue voltar.

ISTOÉ – A chegada de Gabriel tem a ver com essa volta por cima?
Felipe Camargo

Sem dúvida. O filho dá outra dimensão à vida, um senso de responsabilidade muito grande. É aquela história da máscara de oxigênio que cai do teto do avião. Você bota primeiro em você para, depois, poder botar no seu filho. Ou seja: temos de cuidar de nós mesmos para poder cuidar de nossos filhos. Eu crio meu filho há 12 anos. Acompanho o crescimento dele. Hoje, me incomoda a forma como a bebida é tratada. Parece um sorvetinho. Álcool é uma droga.

ISTOÉ – O sr. e seu filho conversam sobre isso?
Felipe Camargo

Sobre tudo o que vai aparecendo. Ele não fuma e não bebe. Também não sei se ele me conta tudo. Mas esse é o lado positivo de minha geração: porque experimentamos praticamente tudo, vivemos bastante e temos propriedade para falar ou detectar algo de estranho no comportamento de nossos filhos. Não sou um exemplo de pai, ele vê minhas imperfeições. Acho que ele é muito melhor do que eu. Mas, de alguma maneira, ele vê um exemplo em mim. De alguém que lutou e venceu. Os filhos aprendem primeiro pelo que veem, depois pelo que escutam.

ISTOÉ – Ainda frequenta o Narcóticos Anônimos?
Felipe Camargo

Frequento porque gosto, salvou minha vida. Visitei o grupo de Los Angeles, nos Estados Unidos, quando estive lá. É importante ir às reuniões para ver a dimensão do problema. Não sou um caso isolado.

ISTOÉ – Quando notou que as drogas passaram de curtição a dependência?
Felipe Camargo

A partir do momento em que vi que não estava me fazendo bem e não conseguia parar. O primeiro passo é admitir que se está perdendo o controle.

ISTOÉ – É a favor da descriminalização das drogas?
Felipe Camargo

Sim, mas acho que teria de partir de países mais avançados, porque liberando apenas no Brasil não sabemos quais poderiam ser as consequências. O País poderia virar uma rota de tráfico para a Colômbia, por exemplo. Por outro lado, com a descriminalização, a polícia poderia parar de se preocupar com os usuários e perseguir mesmo os traficantes.

ISTOÉ – Uma das consequências do tráfico de drogas é a violência nas grandes cidades. Já foi vítima da criminalidade no Rio?
Felipe Camargo

Tenho sorte. Fui assaltado apenas uma vez, em 1983. Acho que a salvação do Rio é a especulação imobiliária. As encostas são os lugares mais caros para se viver em qualquer lugar do mundo. Quem vive em favelas deveria ser bem indenizado pelo terreno, para mudar para outro lugar. Claro que a maioria das pessoas que mora lá é honesta. Mas é um esconderijo para o mundo do crime e das drogas. Na verdade, teria de haver uma mudança geral, e penso numa coisa que não seja violenta. Acho que tem de ser bem estudado. Para mim, o mais revoltante no Brasil é a imunidade parlamentar. A reforma política é a mais necessária. Eles levam o seu dinheiro e a sua fé, roubam o seu dinheiro e traem a sua fé. E lá ainda é o celeiro dos grandes traficantes, porque sabemos que as grandes conexões passam pelo poder.

ISTOÉ – Qual era o motivo das brigas entre o sr. e Vera Fischer?
Felipe Camargo

Por que os casais brigam? Porque são duas pessoas que estão juntas, são dois mundos diferentes que têm de se adequar. A Vera é uma pessoa de quem gostei muito, eu a quero bem, é mãe do meu filho. Buscamos ser felizes, ela com a vida dela, eu com a minha vida. Estamos em acordo com a guarda de Gabriel há três ou quatro anos.

ISTOÉ – Como recebeu o convite para participar de “Som e Fúria”?
Felipe Camargo

O meu personagem, o Dante, é, sem dúvida alguma, o mais rico que já fiz. Na minissérie estabeleceram um paralelo entre ele e Hamlet, de William Shakespeare. Interpreto um diretor atormentado, que some durante uma encenação, justamente de Hamlet, e se isola por sete anos. Tenho uma gratidão enorme por Fernando Meirelles pelo fato de ele ter acreditado em mim e me dado um personagem de ponta. Até perguntei: "Fernando, eu fui meio o bagaço da laranja?" E ele me disse que não, que eu havia sido a primeira pessoa que ele pensou quando pegou a série. Ele tinha visto o filme "Jogo Subterrâneo", de 2003, e a série "Filhos do Carnaval", que fiz no canal a cabo HBO.

ISTOÉ – O sr. tinha outro projeto?
Felipe Camargo

Eu estava praticamente havia um ano sem trabalhar. Como as propostas não vinham, comecei a sentir angústia. Eu falo inglês, havia passado dois meses nos Estados Unidos estudando a língua, e pensei em tentar alguma coisa lá fora porque não estava acontecendo nada aqui.

ISTOÉ – Dificuldades financeiras?
Felipe Camargo

Não. Iria tentar carreira no Exterior por frustração mesmo. Tanto que fiz a viagem E fiquei dois meses. Eu aprendi a juntar dinheiro. Antigamente, gastava tudo.

ISTOÉ – O sr. assinou um contrato com a Rede Globo?
Felipe Camargo

Sim, de dois anos. Vou fazer a próxima novela das 19h, "Bom Dia, Frankenstein", e, se o ibope de "Som e Fúria" corresponder às expectativas, vamos fazer a segunda temporada da série.

ISTOÉ – Sentiu falta da fama no tempo em que esteve afastado?
Felipe Camargo

A fama é um dos aspectos que acho mais chatos na profissão. Detesto o estrelismo. Se eu pudesse ser duas pessoas, uma para sair na rua e outra para viver a minha vida, eu seria. Duvido que haja um ator bom que goste da invasão de privacidade.

ISTOÉ – Aprendeu a conviver com a fama no início da carreira?
Felipe Camargo

Não sabia lidar. Do dia para a noite, fiquei conhecido de uma forma muito forte. Hoje tenho mais experiência e o público que me aborda não é mais constituído de adolescentes histéricas.

ISTOÉ – Na época, se deslumbrou?
Felipe Camargo

É claro que fui chamado para muitas festas, comecei a ganhar muito mais dinheiro do que quando fazia teatro, pude dar bons presentes para a minha família, pagar a conta de dez ou 15 pessoas numa mesa. Coisas que eu fazia pensando que aquilo era para sempre. Certa vez um amigo me viu na rua e não falou comigo. Eu o cumprimentei e percebi que ele ficou sem jeito. Tempos depois ele me contou que teve medo de me cumprimentar porque eu havia me tornado celebridade. Eu mandei-o logo para aquele lugar e falei: "Sou eu, não mudei nada, isso é uma outra história." Eu não acho que me deslumbrei, mas curti bastante essa fama e aproveitei o lado bom que tinha, de viajar e gastar dinheiro. E aproveitei o assédio que recebi ainda solteiro.