FOTO: ROBERTO STUCKERT FILHO/ AG. O GLOBO ROBERTO

Ele é o fulano Sarney em seu gabinete:
"Tornei-me um bode expiatório. Eles conseguiram fulanizar a crise"

Por que ele ainda está aí?

Como foram as 72 horas que levaram Sarney a balançar entre a renúncia, o afastamento e a resistência

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Passavam das dez da noite da terçafeira 30 quando a tensão chegou ao limite. Três partidos – DEM, PSDB e PSOL – já haviam formalizado o pedido de afastamento do presidente do Senado, José Sarney (PMDBAP), e o PT o pressionava com uma proposta de licença de 30 dias. De seu gabinete, já cansado da sucessão de negociações e conchavos, emitiu um recado que fez chegar aos ouvidos dos principais líderes partidários: "Tornei-me um bode expiatório. Eles conseguiram fulanizar a crise", desabafou com seus auxiliares. O fulano, no caso, era ele próprio. Sarney começava ali uma luta pela sobrevivência política. "Não me licencio. Ou fico ou saio de uma vez", ameaçou.

Aos 79 anos e com 50 de vida pública, o maranhese de Pinheiro começava aquela semana sem saber se permaneceria ou não no cargo. Em meio à sucessão de escândalos capazes de abalar as estruturas da Casa, o destino deixou de sorrir para ele. Apontado como principal responsável por esses males, Sarney viveu três dias de agonia. E chegou a se mostrar arrependido de ter assumido um terceiro mandato. O velho cacique ficou entre o céu e o inferno, sem ter certeza sobre seu futuro. E pensou seriamente em pôr ponto final em sua carreira política.

Em frente ao Congresso Nacional, manifestações populares ressuscitavam o "Fora, Sarney!", a palavra de ordem que ficou famosa no fim de seu mandato na Presidência da República. PSDB e PSOL representaram contra ele no Conselho de Ética. O DEM, partido com raízes na Arena e que apoiou a eleição de Sarney à presidência do Senado, virou-lhe as costas. A legenda pediu sua licença até a conclusão das investigações sobre a participação de seu neto José Adriano Cordeiro Sarney em empréstimos consignados a servidores da Casa. "Enquanto há investigação, que ele se afaste para que haja isenção.

Foi uma decisão de consenso", afirmou o líder do DEM, José Agripino Maia (RN), por coincidência, primo do pivô da crise, o ex-diretorgeral Agaciel Maia. Embora a decisão não tenha sido unânime – ACM Júnior (BA), Eliseu Resende (MG) e o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (PI), votaram contra -, Sarney acusou o golpe. "Não esperava isso. Estou profundamente magoado", disse ele, em conversa com amigos. Ao DEM somaram-se o PDT, dono de uma bancada de cinco senadores, e o PSDB.

DEFENSOR A renúncia de Sarney prejudiciaria os planos de Lula para 2010

Os tucanos sugeriram que Sarney se afastasse temporariamente e nomeasse uma comissão de alto nível para levar adiante as investigações. "Se ele entende que não cabe instalar uma comissão, que se afaste", propôs o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), também defendeu a proposta: "A grande tragédia é que não temos mais presidência do Senado. Precisamos de um banho de sensatez."

Restava a Sarney um fio de esperança. Até aquele momento, ele contava com a fidelidade do PMDB, comandado pelo senador Renan Calheiros (AL), e apostava no apoio do PT. Mas, para sua surpresa, a bancada petista, em reunião que começou às 21 horas da terça-feira 30, dividiu-se e ameaçou abandoná-lo à própria sorte, contrariando orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


Antes de embarcar para a Líbia na noite da segunda-feira 29, Lula advertiu que os ataques a Sarney eram uma questão política e que assim deveriam ser examinados pelo PT. "O presidente não admite que Sarney deixe a presidência do Senado. Ele é essencial para a governabilidade", afirmou à ISTOÉ o ministro de Comunicação Social, Franklin Martins, a poucas horas de se dirigir para o aeroporto. Mas, naquele momento, para azar de Sarney, a advertência de Lula caiu no vazio.

Os senadores Eduardo Suplicy (SP), Tião Viana (AC), Marina Silva (AC), Paulo Paim (RS) e Flávio Arns (PR) disseram-se constrangidos em ter que dar apoio a Sarney. O PT passou a defender sua licença do cargo sem medir as consequências para o governo. A mando do presidente, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, recebeu Sarney em sua casa, ao lado do chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, para transmitir um apelo para que o senador não tomasse nenhuma decisão antes do retorno de Lula ao Brasil na quarta-feira à noite.

Apesar do pedido de Lula, Sarney estava se sentindo vulnerável e sem respaldo "aritmético" para continuar no cargo. "A questão é simples, se eu não tiver votos suficientes para presidir o Senado, só me resta renunciar", disse ele a Renan. Naquele instante, já não se tratava de uma preocupação individual, ele também estava sendo pressionado pela família. Embora seja o patriarca de seu clã, Sarney pela primeira vez admitiu ceder aos apelos dos filhos.

"A família está solidária e apoiará o que meu pai decidir. Mas ele não vai tomar uma decisão por emoção", disse a governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Segundo apurou ISTOÉ, Roseana defendeu que Sarney deixasse o cargo. "Pai, isso já está prejudicando sua saúde. O senhor tem que começar a pensar numa saída", disse. Já dona Marly pediu que o marido levasse a luta até o fim em nome da biografia. Porém, havia preocupação de ambas com o abatimento de Sarney.

Nas conversas com amigos, ele desabafou que estava sendo responsabilizado por problemas administrativos criados pelo DEM, que há 14 anos ocupa a primeira secretaria, espécie de prefeitura do Senado. Sarney disse também que ficou decepcionado com a "agressividade" de Arthur Virgílio (PSDB-AM).

OPOSIÇÃO Mercadante, do PT, se uniu aos tucanos para pedir a saída de Sarney

Logo, tudo se encaminhava para a renúncia, já que Sarney considerava a licença inadmissível do ponto de vista político. Na prática, a saída temporária significava entregar o Senado ao primeiro vice-presidente, Marconi Perillo (PSDB-GO), feroz inimigo de Lula desde os tempos do mensalão. Com a renúncia, haveria uma nova eleição no prazo de cinco dias.


BILHETE Elogios de Mão Santa foram tantos que o próprio Sarney escreveu para lembrá-lo que o tema da sessão era outro

A partir dali, a saída de Sarney seria muito mais um problema para o Palácio do Planalto. Na noite da terça-feira, Renan Calheiros, aliado de primeira hora de Sarney, disse à ISTOÉ que a renúncia parecia inevitável: "O quadro está muito complicado. Sarney está indeciso, seus familiares divididos e nós precisamos pensar num plano B, que é fazer seu sucessor." Na manhã da quarta-feira 1º, a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), e o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), sugeriram a Sarney que ele se afastasse do cargo por 30 dias. Sarney recusou a proposta e ameaçou renunciar. Houve uma reviravolta.

Uma voz mais forte ecoou da África. Preocupado em garantir a governabilidade em seu último ano de mandato, Lula disse que o PSDB queria ganhar o Senado no tapetão. "Assim não é possível. Isso não faz parte do jogo democrático. O DEM e o PSDB querem que Sarney se afaste para o Perillo assumir, o que não é vantagem para ninguém", afirmou o presidente. A declaração começou a colocar ordem nas hostes petistas e na base aliada. Ao desembarcar no Brasil, Lula fez uma ronda telefônica e enquadrou de vez o PT. Do seu celular, ligou primeiro para Mercadante. A conversa foi dura. "Mercadante, eu não quero saber de recuo do PT. O que está em jogo é a sucessão", disse o presidente. Depois, tocou para Ideli. "A questão, agora, não é ética nem administrativa. É política", continuou. Sarney estava salvo.

Na quinta-feira pela manhã, Lula falou pelo telefone com Sarney na tentativa de tranquilizá-lo. Ressabiado com a instabilidade petista, o senador do PMDB ainda deu a última cartada. Ameaçou, junto com seu amplo grupo político, abandonar o barco do governo e da candidatura à Presidência de Dilma em 2010 se o PT não fechasse questão pela permanência dele. "Presidente, quero saber a posição do PT. Está comigo? Não está? Se o partido não fechar comigo, não garanto que no ano que vem o PMDB estará com Dilma", disse Sarney a Lula. Foi a senha necessária para garantir-lhe a sobrevida.

Ato contínuo, Lula agendou um jantar naquele mesmo dia com toda a bancada do PT no Palácio da Alvorada. À tarde, no plenário do Senado, o clima era outro. Mercadante já anunciava na tribuna: "Minha combatividade está a serviço do presidente Lula." E definia a cobrança pela saída de Sarney como "um gesto ingênuo" contra a governabilidade. "O Sarney pôs a bola no chão e o jogo voltou para o campo da política.

Fotos: Celso Junior/AE ; Lula Marques/Folha Imagem; Ailton de Freitas/Ag. O Globo

O apoio do PT está evoluindo", diagnosticou Renan. Coube ao senador Wellington Salgado (PMDB-MG), em aparte ao pronunciamento de Mercadante, reverberar a preocupação do governo. "Daqui para a frente é 2010, Mercadante. Podemos brigar, discutir, mas temos que caminhar juntos no ano que vem." Sarney, aliviado, comemorou em conversa com Gim Argello (PTBDF), hoje um dos principais articuladores do governo no Congresso: "O debate voltou para o terreno da política e aí eu me sinto mais confortável." Mais tarde, Lula reforçaria, na conversa com os senadores petistas, a posição clara do governo em defesa de Sarney. O jantar durou quatro horas. "A saída de Sarney pode provocar crise gravíssima, de desfecho imprevisível", alertou. "A licença só interessa à oposição. A aliança entre PT e PMDB é estratégica", lembrou. O PT divulgará uma posição oficial na terça-feira 7.

FOTOS: DIDA SAMPAIO/AE; FOLHAPRESS

Além da mão pesada de Lula, a habilidade e o traquejo político do último grande coronel da política brasileira foram decisivos para sua permanência à frente do Senado. A amigos, atribuiu o sucesso da empreitada à maneira como se comportou nos momentos mais agudos da crise. "Para não acirrar os ânimos, evitei falar em público. Meu silêncio foi profícuo", disse. Na terça-feira 30, por exemplo, Sarney demonstrou que sabe como ninguém sobreviver na selva de Brasília. Durante sessão em homenagem aos servidores públicos, o senador Mão Santa (PMDB-PI) fazia tantos elogios a Sarney que o presidente da Casa, por meio de bilhete, aconselhouo a retomar o foco: não esqueça de elogiar os servidores.

A crise parecia contornada, mas Sarney não pode dar o assunto por encerrado. Tem ao seu redor e na espreita inimigos ferozes. A tropa que pede a cabeça do presidente do Senado é liderada por José Agripino (DEM-RN), Pedro Simon (PMDB-RS) e Marconi Perillo. José Agripino traiu Sarney na primeira oportunidade, ao defender, como líder do DEM, sua licença do cargo. Simon encabeça a ala do PMDB que sempre torceu o nariz para a maneira de Sarney fazer política. Perillo, insuflado por Arthur Virgílio e Tasso Jereissati (PSDB-CE), lutou para se manter como o sucessor natural de Sarney, mas já recebeu um recado. Circula no Congresso um dossiê no qual constam quatro processos contra ele no STF e denúncias do período em que governou o Estado de Goiás. Ou seja, Sarney, com o respaldo de Lula, recuperou o fôlego. Os dois se encontraram na sexta-feira, quando Sarney disse que permaneceria definitivamente no cargo. Era o seu "Dia do Fico".

FOTOS: DIDA SAMPAIO/AE; FOLHAPRESS


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