Quando recebeu a bola dentro da grande área da Argentina, aos 48 minutos do segundo tempo do jogo final da Copa América, o centroavante Adriano estava a uma fração de segundo de uma importante mudança em sua vida. Àquela altura, boa parte dos milhões de torcedores que em todo o mundo acompanhavam a partida, realizada no domingo 25 na capital peruana, já tinha como certa a derrota da Seleção Brasileira para o seu arqui-rival, que ganhava por 2 a 1. Foi aí que aconteceu. Em meio a três zagueiros, ele matou a bola com a direita e, de virada, sem deixar cair no chão, mandou um foguete com a perna esquerda para a rede argentina. Naquele exato instante, o jogador, cujo passe pertence ao Internazionale de Milão, conquistava o status de verdadeira estrela do esporte entre os brasileiros, com o nome repetido exaustivamente no noticiário e nas rodas de conversa em todo o País. O título, ganho pelo Brasil na cobrança de pênaltis, valorizou ainda mais o feito do atacante, oriundo da Vila Cruzeiro, uma das favelas cariocas dominadas pelo tráfico e conhecida internacionalmente como o local onde o jornalista Tim Lopes foi assassinado. “Ainda não caiu a ficha do que está acontecendo comigo”, comenta Adriano, 22 anos, perplexo com o assédio da imprensa e dos torcedores. Além de chegar à artilharia, com sete gols, ele foi considerado o melhor jogador do torneio.

Para alcançar esse momento de glória, Adriano percorreu o caminho de dificuldades comum à maioria dos atletas do País. A mãe, Rosilda, teve o filho aos 17 anos. O pai, Almir, trabalhava como office boy. “Não ganhava muito, levamos a vida com dificuldade”, recorda ele. Desde o início, a rotina de violência da favela deixou suas marcas. Aos sete anos, quando brincava nas escadarias da Vila Cruzeiro, Adriano viu um jovem ser assassinado a tiros, por causa de uma briga de quadrilhas. No ano seguinte, seu pai foi atingido na cabeça por uma bala perdida, resultado de um tiroteio na favela. “Até hoje, ele tem a bala alojada”, diz o jogador. Vários amigos de infância caíram nas garras do tráfico – muitos já morreram e alguns continuam de arma na mão. “Quando vou lá, eles vêm falar comigo, perguntam como é a vida na Itália. Sinto pena, eles têm uma vida curta, não podem sair de lá.” Mas a Vila Cruzeiro também deixou lembranças felizes. Foi ali, no campo do Ordem e Progresso, que Adriano deu seus primeiros chutes. “Para manter nosso filho no bom caminho, mostramos a importância de ser honesto, incentivamos o estudo e ocupamos o tempo dele com o futebol”, conta Rosilda. Nessa época, tinha o apelido de Pipoca. “A gente estava lá jogando e no meio da partida ouvia a voz da minha avó na beira do campo, com a panela na mão: ‘Adriano, vem comer pipoca.’ O apelido colou”, lembra.

Dos tempos de criança para cá, muita coisa mudou – inclusive o apelido. Agora é chamado de Scooby Doo – ou Scooby, para os íntimos –, gaiatice inventada pelo goleiro Júlio César, que vê semelhança entre o atleta e o personagem de desenho animado. Júlio César é amigo desde os tempos em que jogava no Flamengo. Nessa época, Adriano era muito cobrado pela torcida rubro-negra. Grandalhão – 1,82 m –, ainda inexperiente, muitas vezes errava ao tentar dominar a bola. A cada erro, ouvia o coro: “Bota pra vender!” Em 2000, a diretoria atendeu ao apelo dos torcedores e vendeu seu passe ao Internazionale, que o emprestou ao Parma. Quando soube da negociação, o jogador ficou atônito. Não sabia se conseguiria viver longe da família. “Eu chorei quando me vi sozinho num hotel italiano”, conta. Aos poucos, com a ajuda de colegas brasileiros como Ronaldo, se ambientou ao país. No início do ano, voltou a atuar pelo Inter e foi considerado o melhor jogador estrangeiro em atuação no campeonato italiano 2003/2004 – seu passe é avaliado em 46 milhões de euros. Com o dinheiro que recebe, ajuda 18 parentes e já comprou casa para os pais e para sete tias. Apesar do sucesso no Exterior e das lembranças amargas, pensa em retornar ao seu clube de origem. “Sonho em voltar a jogar no Flamengo um dia.” De qualquer maneira, ele é candidato a uma vaga no time de Parreira, na Copa de 2006.

De volta ao Brasil depois da conquista da Copa América, o jogador levou uma “bronca” do pai. “Tinha que fazer o gol tão tarde? Quer me matar do coração?”, brincou Almir. Adriano diz que não se recorda muito bem do lance decisivo. Lembra apenas da bola à sua frente e, depois da virada, a imagem do balão de couro no fundo da meta argentina. “As brincadeiras dos argentinos depois que marcaram o segundo gol fizeram a gente correr mais, injetaram novo astral no time”, acredita ele. Mesmo que não faça mais nada na carreira – o que é praticamente impossível –, Adriano já entrou para a história do futebol como o principal responsável pela mais saborosa vitória que a Seleção Brasileira já impôs à Argentina: conquistada nos pênaltis, com o time B, depois de um domínio argentino durante todo o jogo. Para ficar melhor ainda, com gol no último segundo – graças a Adriano.