22/12/2010 - 22:30
INVISÍVEL
Uma das primeiras orientações que Connie
recebeu foi a de ser a mais discreta possível
Qual o peso de cuidar da saúde do presidente dos Estados Unidos, sem exageros a pessoa mais importante do mundo? A médica americana Connie Mariano, 55 anos, teve nas mãos essa responsabilidade durante nove anos. Depois de fazer carreira na Marinha, ela foi convidada a ocupar o posto de chefe da equipe médica da Casa Branca. Cuidou, pessoalmente, da saúde dos ex-presidentes George Bush e Bill Clinton, e de suas respectivas famílias. Lembra-se, até hoje, da primeira recomendação que recebeu ao assumir a função. “Apenas mantenha o presidente respirando 24 horas por dia”, conta.
Como pouquíssimas pessoas no mundo, Connie viu de perto ocasiões históricas e partilhou momentos de intimidade com os presidentes. Observou como podem se tornar frágeis diante das pressões. “É incrível como eles ficam com o aspecto envelhecido com o passar dos anos à frente da Presidência”, diz. Hoje, apesar de estar longe do poder político, ela continua perto dos poderosos. Atende CEOs de empresas americanas em seu consultório em Scottsdale, no Arizona, de onde concedeu a entrevista a seguir:
"Quando conheci pessoalmente o ex-presidente
George Bush, ele estava sem camisa e perguntou se eu era casada"
“Tinha de ser dura com Clinton. Uma vez, ele estava gripado e
não queria cancelar sua agenda. Ameacei contar para Hillary. Só assim ele
obedeceu minhas ordens"
A primeira coisa que a sra. ouviu a respeito de sua função foi a de que seu dever era manter o presidente dos Estados Unidos respirando 24 horas por dia. Como recebeu essa tarefa?
Senti que eu tinha que fazer de tudo para cumprir isso. Também acreditava que era uma espécie de desejo divino o fato de ter sido escolhida. Foi muito estressante, mas, de alguma maneira, senti que havia sido destinada para assumir essa função.
Mas não foi muito pesado ouvir isso? Responsabilidade demais?
Na verdade, foi excitante e estressante ao mesmo tempo. O trabalho que tinha acabado de receber era uma honra muito grande, mas sabia que vinha com a grande responsabilidade de manter o presidente dos EUA saudável.
E sobre a recomendação de ser “invisível”, que também ouviu assim que assumiu o novo cargo?
Isso eu escutei com facilidade. Já havia sido criada para ser discreta, ficar atrás das cenas.
Qual o principal erro que um médico do presidente de um país pode cometer?
É deixar que o trabalho faça crescer o ego e pensar que não precisa ouvir a opinião de ninguém. Digo aos médicos que atendem na Casa Branca para nunca praticarem a medicina no vácuo, sozinhos. É preciso procurar a assistência de especialistas de fora quando achar necessário.
Em algum momento, durante os nove anos em que passou na Casa Branca, conseguiu relaxar?
Sim. Quando você acaba vendo o presidente diariamente, viajando com ele, torna-se parte da família. Fica mais tranquilo.
Como conheceu o ex-presidente George Bush?
Estava com os outros médicos da equipe dentro da sala para exames que existe na Casa Branca. Ele chegou acompanhado de Burton Lee, médico-chefe na época, para cauterizar algumas pintas que tinha na pele. Ele tirou a camisa, olhou para mim e perguntou a Lee: isso é jeito de me apresentar a sua nova médica? Tirando minha roupa assim? E continuou: ela é casada?
Seu primeiro atendimento como médica presidencial foi colocar um band-aid no calcanhar do ex-presidente George Bush. Pensou que um procedimento tão banal podia definir seu futuro profissional?
Sim. Eu fiquei nervosa quando me chamaram para fazer o curativo. Bush estava jogando golfe e se machucou. Não era nada sério. Mas, de repente, eu estava lá, diante dele. Eu era a médica novata e todos me olhavam.
E o que aconteceu?
Quando abri a maleta de primeiros socorros, fiquei procurando, procurando, e não encontrava nada que pudesse usar. Logo me lembrei de uma conversa que havia tido com outro médico da Casa Branca. Ele me disse que lá até as pequenas coisas viravam grandes coisas. E eu pensei: mas o que há de tão complicado em colocar um band-aid? Enquanto isso, o tempo passava e eu já tinha começado a suar. Estava quebrando uma regra que depois passei para minha equipe: nunca os deixe ver que você está suando.
Estava tão nervosa assim?
Estava. Para piorar, os seguranças, do meu lado, ficavam passando avisos do tipo “médica procurando band-aid”. Não podia acreditar naquilo! Minha primeira tarefa era tão simples, e eu ia fracassar. Seria realmente o meu fim. Eu estava sendo testada para ver como respondia a demandas simples. Todos a analisam para ver se você tem as habilidades necessárias para cuidar de um presidente.
E como terminou seu teste?
Achei, lá no canto da maleta, o curativo. Coloquei e o presidente me agradeceu.
Quem foi o melhor paciente? George Bush ou Bill Clinton?
Os dois foram muito respeitosos. Mas Clinton foi mais desafiador porque ele não gosta de descansar ou de baixar o ritmo quando isso é necessário.
E sobre qual dos dois a sra. precisava cobrar mais disciplina para ter hábitos saudáveis?
Clinton. Eu precisava sempre alertá-lo em relação ao tamanho das porções que ele consumia durante as refeições. No fim, tivemos de ajudá-lo a perder peso diminuindo as porções e o auxiliando a fazer exercícios duas vezes por dia.
Houve algum momento em que a sra. teve de ser mais dura com um dos dois ex-presidentes para que obedecessem suas recomendações?
Sim. Quando Clinton ficou muito doente por causa de uma gripe, durante um final de semana, por exemplo. Ele não queria cancelar sua agenda.
E o que a sra. fez?
Ameacei contar para a ex-primeira-dama Hillary Clinton (hoje, secretária de Estado do governo de Barack Obama). Falei que diria a ela que ele não estava sendo um bom paciente.
E como Clinton reagiu?
Começou imediatamente a seguir minhas ordens.
Ser presidente dos Estados Unidos faz mal para a saúde?
Sim. É um trabalho perigoso. O risco de ser assassinado, por exemplo, é grande. Mas também há as longas horas de trabalho, os incômodos causados pelo jet lag das viagens frequentes, o estresse. Tudo isso faz mal à saúde.
Quais os sinais de prejuízo à saúde que a sra. observou em Clinton e Bush enquanto os atendia?
A aparência deles ficou visivelmente envelhecida enquanto os anos passavam. Ficaram com o rosto mais cansado, a voz rouca, com menos energia e mais estresse.
É difícil para eles mostrar fragilidade?
Eles estão acostumados a lidar com as pressões. Passam por elas durante anos no trabalho para chegar à Casa Branca. Mas o peso das responsabilidades do cargo fica mais visível. As pessoas os veem na tevê. Enxergam como estão andando, as bolsas debaixo dos olhos, o aspecto cansado. Isso é exposto para o mundo. É inevitável.
No seu trabalho, como a sra. interferia quando notava que o cansaço, o estresse, estava demais?
Tentava colocá-los em um lugar mais tranquilo, privado, onde pudessem ter algum descanso.
Há momentos em que a política se sobrepõe à saúde?
Quando Clinton teve de ser submetido a uma cirurgia no quadril, houve uma longa discussão entre ele e a nossa equipe médica a respeito do tipo de anestesia que deveria ser usado. Se fosse a geral, ele ficaria inconsciente e teria de invocar a 25a Emenda (emenda da Constituição americana que trata da sucessão presidencial nos casos em que o presidente fica inabilitado temporariamente. Nessa circunstância, o presidente tem de escrever uma declaração repassando o poder ao vice-presidente e só o retoma quando escreve outra, atestando estar apto novamente). Clinton optou pela anestesia peridural (na espinha, sem deixar o paciente inconsciente) para não ter de recorrer a essa emenda.
A sra. descreve Hillary Clinton como uma mulher forte. Já a viu abatida?
Sim. Durante o caso Monica Lewinsky (Monica era estagiária na Casa Branca e Bill Clinton teve um caso com ela. Depois, foi obrigado a admitir publicamente o romance). Nesse período, ela ficou muito quieta, fechada. Também era nítido que procurava ocupar-se com seu trabalho.
A sra. colheu pessoalmente a amostra de sangue do ex-presidente Clinton para a realização de exames de DNA que comprovassem seu relacionamento com Monica Lewinski. Como ele estava nesse momento?
Triste, mas calmo.
Outros médicos presidenciais admitiram ter sentido falta do poder que eles indiretamente experimentaram. E a sra.? Sente saudade também?
Não sinto falta do poder. Sinto saudade das pessoas com quem eu trabalhei e de quem cuidei.
É difícil se adaptar à vida de médica normal depois da experiência na Casa Branca?
Sim. É muito difícil ir de abelha-rainha para abelha-operária. Mas a vantagem são as horas de trabalho, mais curtas, não ter de viajar o tempo todo e possuir uma rotina que posso manter com minha família.
A sra. acredita que os ex-presidentes sentem muita falta do poder que tiveram?
Acho que sim. Mas, no final dos mandatos, eles começam a focar no legado que construíram e no que farão depois.
Atualmente a sra. atende homens também importantes, presidentes e executivos de empresas. Eles apresentam problemas de saúde similares aos dos presidentes americanos?
Executivos e CEOs têm mais estresse do que o presidente dos Estados Unidos. Eles não contam com a grande rede de suporte que o presidente tem para ajudá-lo a fazer o seu trabalho. Mas o estresse do presidente americano é mais visível porque ele está 24 horas aparecendo na tevê.
O que a experiência na Casa Branca mudou na sua vida?
Depois de cuidar de presidentes americanos, aprendi a não me deixar ser intimidada por pacientes ou por qualquer outra pessoa. Também compreendo melhor, hoje, o estresse que os executivos e suas famílias vivem.