Desde que um menino chamado Harry Potter invadiu o mercado literário, a febre de livros infanto-juvenis se espalhou pelo mundo todo. Até a Madonna escreve para criança. Agora, parece que esse boom da literatura juvenil chegou também ao universo das pessoas especiais. Editoras e entidades ligadas ao projeto Reinventando a Educação, da IBM, conce-
beram idéias que visam levar a inclusão digital e um pedaço da cultura literária universal para crianças e adolescentes surdos e cegos. Afinal, só no ensino público, há 56 mil crianças surdas matriculadas, de acordo com o Ministério da Educação, e 1.173.655 jovens com problemas visuais de zero a 14 anos no Brasil.

Foi para alcançar os meninos e meninas especiais, ávidos por conhecimento, que a Editora Arara Azul criou um projeto inovador para crianças e adolescentes surdos: Clássicos da literatura em libras/português em CD-ROM. Os três primeiros CDs da coletânea pioneira trazem obras de peso – Pinóquio, de Carlo Collodi (1883), Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1865), e Iracema, de José de Alencar (1865) –, narradas simultaneamente em português e em uma tradução textual na Língua Brasileira de Sinais (libras). “Nosso principal objetivo é proporcionar à criança acesso ao conhecimento por meio de sua língua especial”, explica Clélia Regina Ramos, fundadora da Arara Azul e autora do projeto. Inspirada no filho, Toríbio, que é surdo profundo de nascença, ela pesquisa o assunto há mais de dez anos.

Toríbio Malagodi, 18 anos, recebeu vários tipos de aprendizado para surdos. Faz leitura labial, usa a língua dos sinais e também conhece o português escrito. Hoje em dia, cursa o primeiro ano de engenharia elétrica na Universidade Católica de Petrópolis (UCP/RJ) e trabalha num portal da internet, dando suporte. “Acho que o CD-ROM será muito útil para os surdos, porque a libras é uma língua importantíssima na nossa comunicação, mas, como segue regras diferentes de gramática, dificulta a leitura da língua portuguesa para os surdos que só sabem a língua de sinais”, diz Toríbio. Significa que o CD pode ser visto por jovens que só conhecem a língua de sinais, ou seja, eles conhecem a obra literária antes mesmo de aprender a ler português.

Essa integração da criança especial no mundo também fez a Fundação Dorina Norwill inovar e lançar um livro que atende a todos os tipos de pessoas com dificuldade visual. A obra A felicidade das borboletas – escrita por Patrícia Engel Secco e ilustrada por Daniel Kondo – é alegre, comovente, única em seu formato no Brasil e fala de e para pessoas que não podem ver. A história de Marcela descreve a emoção de uma menina cega em sua primeira apresentação de balé e pode ser lida, num só livro, em braille, pelos cegos; em letras garrafais, pelas pessoas com alguma insuficiência visual; e em letras comuns, por quem lê normalmente. Até as ilustrações ganharam relevo com o mesmo pontilhado dos textos em braille.

Protagonista – A autora, Patrícia, diz que quer dar uma identidade a esses garotos. “Não conhecia livros que tivessem deficientes como protagonistas. Quis unir as famílias, permitindo a leitura para todos, e mostrar à criança que ela também pode ser o personagem principal de uma história.” O intuito deu certo. Maurílio Alves Souza, nove anos, leu o livro em braille e concorda: “É interessante. A menina do livro mostra como a gente se sente.” Ele está aprendendo o método braille na Fundação Dorina Norwill há dois anos e afirma que, apesar de poder ouvir histórias em fitas de áudio gravadas na fundação, prefere ler em braille.

Graças à Lei Rouanet, que dá incentivos fiscais às empresas que financiam projetos culturais, serão distribuídos gratuitamente três mil CDs-ROM e 40 mil livros em escolas e instituições especializadas em pessoas com deficiências auditivas e visuais. Além disso, as obras também poderão ser encontradas em nichos especiais, como, por exemplo, o ambiente virtual que a IBM disponibilizou para alunos surdos e profissionais ligados à surdez e a Biblioteca Braille, no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, que possui uma sala de informática com um software específico para cegos e deficientes visuais. Mas quem não souber computação pode consultar o acervo de 5,6 mil livros em braille da biblioteca.

Com tantos caminhos abertos, quem sabe, em breve, o bruxinho de Hogwarts também fará a mágica de falar com crianças que não escutam e ser visto pelas
que não enxergam.