Duas dúzias de índios carajás fazem uma dança tribal em uma praia no rio Araguaia, em frente à Ilha do Bananal. A luz de uma fogueira, única iluminação no local, acentua o caráter ancestral da cena. O grupo de 50 visitantes, vindos do Rio de Janeiro, de São Paulo, Goiânia e Brasília, se surpreende com o espetáculo, tão diferente da paisagem urbana a que está acostumado. O modo como eles chegaram até os confins do Araguaia também chama a atenção: a bordo de nada menos que sete helicópteros da Expedição Brasil, uma inédita caravana ao interior do País, idealizada pelo empresário Sebastião Abreu, de Goiânia. A idéia de reunir um número tão grande de helicópteros para uma viagem que se estendeu por quase quatro mil quilômetros, percorridos em sete dias, segundo Tião, como o empresário e piloto é conhecido, surgiu de sua experiência de quatro anos fazendo o acompanhamento e a segurança aérea do tradicional Rally dos Sertões, a mais importante competição off-road do Brasil. “O primeiro maluco que convenci foi o carioca Marcelo Almeida, que entrou com dois helicópteros, em parceria com seu amigo Sérgio Vilhena. Daí para a frente foi fácil”, afirma. Tião convenceu ainda a trazerem seus helicópteros Walterci de Mello (dono do Laboratório Teuto), Jefferson Salgado de Oliveira, (Universidade Salgado de Oliveira), Luciano Zogbi, de São Paulo, e alugou um de seus aparelhos para o empresário Wanildo Maldi.

A aventura aérea, que teve até vôos em formação dos helicópteros, manobra a que somente pilotos militares estão acostumados, mostrou que o compositor Hermínio Bello de Carvalho tinha razão em dizer que, “visto assim do alto, mais parece um céu no chão”, ao se referir à beleza inesperada da Mangueira à noite. O Brasil, visto assim do alto, é ainda mais bonito. O rio Araguaia, por exemplo, local de três escalas da Expedição Brasil, foi percorrido pelos helicópteros em formação, ao estilo Apocalipse now, o clássico filme de Francis Ford Coppolla. Além da emoção do vôo, revelou praias escondidas, lagoas paralelas às margens, ocultas em meio à vegetação, e paisagens deslumbrantes. Goiás Velho, uma das últimas jóias do Barroco, mostrou, de cima, movimentos harmônicos de seus telhados nunca imaginados por seus construtores no Século XVIII. Das alturas, o cerrado sem fim, as cascatas e os montes trapezoidais do Jalapão, no Tocantins, além dos cânions e cachoeiras da mística Chapada dos Veadeiros, próximo a Brasília, ganharam contornos e uma amplidão inesperados.

Mas o Brasil real, no chão, revelou cenas ainda mais impressionantes. A dança noturna dos Carajás, por exemplo, foi um desses choques culturais que acabaram deixando marcas definitivas em quem viu o espetáculo pela primeira vez. “Só lamento que meus filhos adolescentes não vieram. Iam ver que o País vai muito além de Ipanema”, comentou a carioca Cláudia Almeida, 40 anos, mulher de Marcelo. Para o cacique Iwaru Karajá, organizador da cerimônia, a presença da Expedição Brasil próximo à sua aldeia rendeu apoio para um projeto que vai preservar a técnica ancestral de construção de canoas com troncos de árvore. Com recursos de Marcelo e Sérgio, ele vai organizar um curso para jovens indígenas que preservarão o conhecimento dos mais velhos. O curso vai ser transformado em DVD e colocado à disposição das outras aldeias da reserva carajá na Ilha do Bananal. Jefferson Oliveira, dono da Universidade Salgado Oliveira, também tem projetos na área educacional. Pretende trazer no próximo rally alunos dos cursos de comunicação e turismo. Um reforço in loco para o currículo desses dois cursos.

No Jalapão, o contraste entre dois Brasis foi ainda mais forte. Primeiro foi o impacto causado na população de menos de mil pessoas do pobre povoado de Mumbuca, perdido no meio do Jalapão, pela descida de sete helicópteros, valendo por baixo US$ 15 milhões (R$ 45 milhões) no total. Os humildes artesãos deram o troco, mostrando sua arte única. Usando o capim dourado, que só cresce na região, eles fazem peças de artesanato que começam a virar moda nas butiques chiques do Rio e de São Paulo. Os expedicionários do ar ainda deram lucro ao povoado, comprando tudo que estava pronto no estoque. Para 2005, Tião voa mais alto: quer fazer a segunda versão da Expedição Brasil (já há mais de 15 donos de helicópteros interessados) e depois cruzar os Andes, rumo ao Chile, voltando pela Patagônia. Tudo de helicóptero, claro.