A cidade histórica de Paraty, no litoral fluminense, receberá este ano aquele que é considerado atualmente o melhor escritor de Portugal – e, justamente por ter recebido tal qualificação, entrou em colisão com outro genial autor, José Saramago. Trata-se de António Lobo Antunes, 66 anos, que resolveu encarar o frenesi da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), a partir da quarta-feira 1º. Ele vai lançar dois livros: sua penúltima obra, "O Meu Nome é Legião", e também "Explicação dos Pássaros", de 1981, o seu quarto romance. Apesar de ter pai e avô brasileiros, a última vez que esteve aqui foi 26 anos atrás. "Há escritor de escrever e escritor de congresso", disse ele à ISTOÉ. "Se a pessoa quer escrever, não tem tempo para passear. O que faço agora é sair duas ou três vezes por ano." Pelo critério estritamente literário, Lobo Antunes é a maior estrela da Flip, que na edição deste ano traz atrações como o jornalista e escritor americano Gay Talese e a escritora francesa Catherine Milliet. Psiquiatra de formação, ele contabiliza 24 livros e diversos prêmios, entre os quais o Camões, o mais importante da língua portuguesa. O autor não dá muita importância a eles – e usa o humor para justificar: "São sempre agradáveis, sobretudo quando vêm acompanhados de bastante dinheiro."

Lobo Antunes acredita que arte não se quantifica. E é isso o que as premiações fazem: "Não se pode dizer que A é melhor que B, porque as pessoas são diferentes". Em "O Meu Nome é Legião", ele trata da violência atual em seu país ao narrar os crimes bárbaros cometidos em uma madrugada por oito adolescentes. O livro começa como o relatório de um policial em fim de carreira, mas logo deriva para um mosaico das múltiplas visões sobre os mesmos fatos.

Nessa alternância de vozes, muitas vezes Lobo Antunes acha que nem é ele quem escreve, mas algum tipo de anjo: "É quando a mão trabalha sozinha e o livro torna-se autônomo."

Em completo domínio de seu estilo denso e bem acabado, acredita que o tempo só leva à conclusão de que não se sabe nada de literatura, que todo livro é um começo: "A experiência não serve de nada."

Operado com sucesso de um câncer no intestino há dois anos, o escritor não atribui à doença uma influência maior em sua obra do que outros fatos do cotidiano: "Tudo nos muda, às vezes coisas que não nos damos conta, como um olhar apanhado na rua, um sorriso."

As negociações para a vinda de Lobo Antunes ao Brasil começaram em janeiro do ano passado. Ele preferiu nem ler o programa da feira literária, pois adora se surpreender. "Não conheço a cidade e não espero nada de Paraty. E também não sei o que Paraty espera de mim", diz o escritor. O certo é que vai ler um trecho de um de seus livros e responderá a perguntas de um mediador. Nessa edição, a Flip homenageia o poeta Manuel Bandeira. O autor português não comenta a escolha, mas aponta João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade como os grandes poetas da língua portuguesa do século XX. Desafeto do conterrâneo José Saramago, ele já usou seu nome ao recusar convites anteriores: "Deixem o Brasil para Saramago, eu tenho o resto do mundo". Chamado a confirmar a frase, ele a princípio nega: "Não me lembro." Mas logo em seguida alfineta: "Não é uma pessoa em quem eu pense muito." Deixemos, então, as picuinhas para os biógrafos.