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Para começar, duas notícias, uma boa e uma ruim. A boa é que os jovens de até 24 anos compõem a faixa etária que mais usa preservativo no Brasil. A ruim é que eles abandonam cada vez mais rápido o artefato de látex. A desistência da camisinha acontece aos primeiros sinais de um relacionamento sólido. Segundo dados do Ministério da Saúde, 60% dos jovens usam a proteção na primeira relação e apenas 30% quando o parceiro se torna fixo. O preservativo também vem sendo deixado de lado no sexo casual. O descuido pode ser sentido no aumento em 2% no número de casos de Aids nessa faixa etária em 2009. Embora tenha diminuído o número de infectados no geral, nas faixas entre 13 e 24 anos e acima de 60 anos, os casos cresceram.

“O grande problema que se enfrenta ainda hoje no que diz respeito à prevenção é que os adolescentes e jovens adultos só usam a camisinha nas primeiras relações e, assim que ganham a confiança do parceiro, abandonam”, destaca Pedro Chequer, representante da Unaids, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Aids, no Brasil. “Para ajudar a piorar, o conceito de parceiro fixo mudou muito. Hoje os parceiros fixos mudam a cada mês.” Essa confiança adquirida, que envolve um jogo silencioso de fidelidade e culpa, é o que Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, especializado em sexualidade, chama de “pseudoexclusividade”. “Um acha que tem o outro sob controle por causa do amor e ainda acredita que a confiança é maior que os desejos e as oportunidades”, destaca.

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DESCUIDO
O músico D.B., 24 anos, não usa
preservativo nem no sexo casual

Estar distante dos relatos de estragos que a Aids causou nos anos 80 e 90, quando milhares de pessoas, entre elas vários ídolos, morreram, colabora para que essa nova geração não tema contrair o vírus. A gravidez indesejada continua sendo a maior preocupação da moçada. “Tenho muito mais medo de engravidar e não ter certeza de quem é o pai do meu filho do que de pegar uma doença”, conta a coordenadora de eventos O. F., 23 anos. “Doença todos estamos sujeitos a pegar, de outras formas, até do marido depois de casada. Não saber quem é o pai do seu próprio filho é uma doença moral.” A jovem conta que a camisinha é regra para relações com pessoas desconhecidas, mas, mesmo assim, já deixou escapar o uso algumas vezes. “Se o tesão fala mais alto e ninguém tem uma no bolso, vai sem mesmo. Ou, se o cara não consegue usar, faço sem para não deixá-lo mal.” Quando isso acontece, ela apela para a pílula do dia seguinte.

Na adolescência, o uso do preservativo é ainda mais complexo. Maria Helena Vilela conta que usar a camisinha na iniciação sexual continua sendo um fantasma – especialmente para os meninos. “Eles não têm habilidade nem com a mulher nem com o preservativo. De forma que, se na hora H, não der certo usar, vai sem proteção”, diz. “E é da índole masculina correr riscos, contrair doenças, engravidar uma mulher, não é da índole deles brochar. Lidar com todo esse viés sociocultural é também o desafio”, destaca ela, que coordena programas de capacitação de professores em escolas públicas e privadas. As meninas, por sua vez, com medo de perder o parceiro, cedem. Essa é uma das explicações para o fato de a faixa entre 13 e 19 anos ser a única na qual há mais mulheres soropositivas do que homens.

Com D. B., 24 anos, músico, aconteceu o contrário. Usar preservativo era regra de ouro nos primeiros anos de sua vida sexual. Hoje, confessa que nem para o sexo casual ele se preocupa mais com a proteção. E ainda joga uma parcela de responsabilidade para as mulheres. “Às vezes são elas mesmas que pedem para tirar.” Namorando há um ano e meio, ele diz que só usou camisinha com a namorada nas duas primeiras vezes. Nos tempos em que era solteiro, só se lembrava de usar quando estava sóbrio. “Mas como quase nunca a gente está sóbrio em balada…”, conclui, rindo. “Já fui dormir com medo de ter feito a maior besteira da minha vida, mas nunca fiz o teste de HIV. Acho que prefiro nem saber.”

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PREOCUPAÇÃO
“Tenho mais medo de engravidar fora de
hora do que de pegar doença”, admite O. F.

Os especialistas concordam que o fato de o Brasil ter controlado a epidemia de Aids e de os soropositivos terem uma qualidade de vida maior contribui para que os jovens esqueçam a camisinha na carteira. “Hoje, já não se investe mais em peças publicitárias. Se em 1999 foram veiculadas oito campanhas na tevê, hoje em dia são apenas duas por ano: no Carnaval e no Dia Mundial de Combate à Aids”, lamenta Pedro Chequer, que também é médico infectologista. Para o representante da ONU, a chave para a prevenção é a educação – é preciso abordar o tema cada vez mais cedo nas escolas. “Não adianta nada você ensinar essas coisas só no ensino médio, quando a maior parte já iniciou a vida sexual e quando muitos abandonaram o colégio”, acredita. Afinal, só dizer que a camisinha é a melhor prevenção não surte mais efeito, já que 97% dos brasileiros até 24 anos têm essa informação na ponta da língua. As estatísticas mostram que eles sabem, mas não seguem.

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