A imagem dos líderes dos Estados Unidos no Brasil difere muito pouco da imagem que eles têm entre os próprios americanos. Isso ocorre porque aqui se esquece que, ao contrário da célebre frase do ex-chanceler Juracy Magalhães, o que é bom para os Estados Unidos nem sempre é bom para o Brasil. O democrata Bill Clinton, por exemplo, é lembrado lá como o presidente que zerou o déficit público americano e fez a economia do país crescer durante oito anos – além do affair Monica Lewinski, claro. Do lado de cá, a história é outra. Apesar do jeito bonachão, Clinton sempre fez forte pressão sobre o Brasil em questões comerciais, como a exigência da adesão incondicional do País à proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Já o republicano George Bush, pai, foi o pioneiro da ordem pós-guerra fria, iniciada com as invasões do Panamá e do Iraque. Para o Brasil, contudo, foi mais importante sua proposta de securitização dos títulos da dívida externa – o Plano Brady –, que aliviou nosso sufoco financeiro, do que seus jogos de guerra. Nesta campanha eleitoral, o candidato do Partido Democrata, Barack Obama, vem sendo apontado como a grande novidade da política americana, o primeiro negro a se candidatar a presidente por um partido majoritário. E com uma visão progressista e generosa, como não se via desde a candidatura de Bobby Kennedy, em 1968. Sim, a eleição de Obama pode significar uma lufada de ar fresco na política interna americana e desbloquear o relacionamento entre os EUA e o resto do mundo. Mas em pelo menos um ponto a agenda “progressista” do candidato democrata afeta negativamente o Brasil: o uso de biocombustíveis como alternativa ao petróleo. Obama é contrário à importação de etanol brasileiro e quer manter os subsídios ao etanol de milho produzido nos Estados Unidos. Em contrapartida, o candidato conservador, o republicano John McCain, acha que o combustível de milho é ineficiente e defende o fim dos subsídios e a importação do etanol brasileiro.

A discussão ganhou novos contornos nesta semana, quando o jornal The New York Times alfinetou a hipocrisia do candidato democrata, que denuncia a ação de grandes empresas nas campanhas dos republicanos mas que faz vistas grossas à presença de poderosos lobbistas do etanol de milho na sua própria campanha. Em matéria assinada por Larry Rohter – velho conhecido dos brasileiros –, o Times diz que a defesa que Obama faz da produção de etanol de milho não é exatamente, digamos, “ideológica”. Explica-se antes pelo fato de ele ter assessores com “fortes laços” com essa indústria. Entre eles, segundo o jornal, está Tom Daschle, ex-líder da bancada democrata no Senado, que participa de conselhos administrativos de três empresas produtoras de etanol de milho e dá consultoria especializada sobre energia renovável. O outro é Jason Grumet, conselheiro de Obama para meio ambiente, que veio da Comissão Nacional de Política Energética, entidade ligada ao senador republicano Bob Dole, ex-líder da bancada no Senado, que por sua vez tem fortes laços com a Archer Daniels Midland (ADM), gigante do setor de agronegócios. O próprio Obama andava de jatinho da ADM.

Segundo vários especialistas, a opção pelo etanol de milho não beneficia os pequenos agricultores, como prega o candidato democrata, mas os grandes conglomerados do agronegócio. Quase todo o etanol americano é feito de milho; Illinois, o Estado de Obama, é o segundo maior produtor desse cereal, atrás apenas de Iowa, que foi o primeiro Estado a votar nas prévias do Partido Democrata. Lá, a surpreendente vitória de Obama alavancou sua candidatura contra a senadora Hillary Clinton. Há quase um ano, quando fazia campanha naquele Estado do Meio-Oeste, no chamado Cinturão do Milho, Obama argumentou em favor da substituição do petróleo por etanol. “Hoje os Estados Unidos enviam bilhões de dólares a algumas das nações mais hostis do planeta (referência à Venezuela e ao Irã)”. Mas ele deixou claro sua opção: “Substituir o petróleo importado pelo álcool brasileiro não atende a nossos interesses nacionais e econômicos”, proclamou Obama. Já McCain, que não tem ligações com interesses do agronegócio americano, diz coisas que soam como música aos ouvidos brasileiros: “Nosso governo subsidia álcool de milho, enquanto cobra tarifas que impedem os consumidores de se beneficiar de outros tipos de álcool, como o do Brasil, feito de cana-de-açúcar.”

 

 

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