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Ele nasceu e viveu como Antonio de Carvalho Barbosa por apenas 15 de seus 62 anos. Os 47 restantes assumiu a persona de Tony Ramos, hoje um dos maiores atores brasileiros. Atualmente na pele do protagonista Totó da novela global “Passione”, mais um dos personagens marcantes que construiu ao longo de quase cinco décadas de carreira, o paranaense Antonio virou “Tony com y” involuntariamente. A decisão foi de Ribeiro Filho, que comandava o programa radiofônico “Novos em Foco”, em 1964, no qual ele foi descoberto. Mas o radialista cismou que ele precisava de um nome mais artístico, e sugeriu Tony. “Com Y”, frisou. Para compor, buscou nos antepassados maternos um sobrenome pequeno. Devidamente rebatizado, Ramos fez a primeira novela de sua vida, “A Outra”, na extinta TV Tupi, ainda na mesma década. Hoje, 61 folhetins, quase 20 filmes, 15 peças de teatro e muitas séries e especiais na televisão depois, Tony Ramos é marca de qualidade na dramaturgia brasileira. “Sou um artista popular com muito orgulho”, diz o ator, escolhido por ISTOÉ o Brasileiro do Ano na Cultura.

 “Não tenho preocupação em dar resposta ao glamour,
acho isso uma piada, uma mentira, algo perigosamente ilusório”
Tony Ramos

Não são muitos os artistas que atravessam tantos anos em trabalho contínuo e ainda são apontados, por colegas e técnicos, como generosos e éticos. O sucesso nunca lhe subiu à cabeça. “Sou um homem comum”, insiste. Para comprovar, mostra os pneuzinhos em volta da cintura e fica de perfil para ressaltar, como se fosse preciso, o nariz adunco. “Muita gente neste mundo já o teria modificado numa cirurgia plástica”, afirma, muito à vontade com o formato que a natureza lhe deu. Ramos é um incomum homem feliz. Gosta de si mesmo, é bem-sucedido na carreira, ama (e declara publicamente) a mulher com quem está casado há 42 anos, Lidiane Barbosa, e com quem tem dois filhos adultos, Rodrigo e Andréa, ambos formados e casados. Rodrigo ainda lhe deu dois netos – “maravilhosos”, segundo o avô coruja – de 11 e 6 anos. Só faltava uma coisa: tirar longas férias para dedicação integral ao ócio. Mas não falta mais. “Aos 62 anos, resolvi me dar um presente: vou ficar sem fazer nada no ano que vem, 2011 será meu ano sabático”.

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NOVELA  DAS OITO
Como o italiano Totó, protagonista de “Passione”

Amigos já avisaram que a vida boa faz engordar. “Tudo bem. Sou um brasileiro comum que engorda e emagrece. Não tenho preocupação em dar resposta ao glamour, acho isso uma piada, uma mentira e algo perigosamente ilusório”, diz ele. Perguntado se se considera bonito, o ator dá uma leve travada: “Não fujo à pergunta, não quero ficar em cima do muro, mas responder isso é uma das coisas mais constrangedoras pra mim.” Ramos não se acha bonito. Mas conhece a força dramática com que abraça as personagens e convence o público. É assim com Totó, que é disputado em “Passione” pelas beldades Mariana Ximenes e Larissa Maciel. “A tevê é um eletrodoméstico da maior importância. E nós, que a fazemos, temos de ter muita responsabilidade. Digo isso sem medo de não parecer muderno – escreve muderno com u, por favor. Eu amo mesmo fazer televisão”, diz. Mas este amor tem limite. Saudavelmente, ele conta que, quando sai da gravação, o personagem fica lá nos estúdios na Globo. “O Totó não entra no meu carro. Ali, só o Antonio entra.” Ator consagrado na tevê, ele não abre mão das outras possibilidades de atuação. O teatro é considerado fundamental por possibilitar contato direto com o público. A última peça em que atuou foi “Novas Diretrizes em Tempos de Paz”, com Dan Stulbach, há quase dois anos. E vem do cinema o orgulho de protagonizar um dos mais extraordinários sucessos nacionais, “Se Eu Fosse Você”, partes 1 e 2, nos quais atua ao lado de Glória Pires.

Mas Ramos firmou-se na carreira como um rosto que frequenta o horário nobre da televisão. Já interpretou os gêmeos Quinzinho e João Victor na novela “Baila Comigo” (1981), ganhou muitos prêmios como o Zé Clementino, de “Torre de Babel” (1998), foi o grego Nikos, em “Belíssima” (2005), o indiano Opash, em “Caminho das Índias” (2009), e emocionou como o jagunço Riobaldo na série “Grande Sertão Veredas” (1985), baseada na obra de Guimarães Rosa. Nem adianta pedir para ele escolher a personagem mais marcante. O paranaense de Araponga que foi criado em São Paulo e hoje mora no Rio responde mineiramente: “Gosto de todos.”

Tony Ramos passa a imagem de uma pessoa conciliadora e equilibrada. Mas ele avisa que é uma pessoa cheia de rompantes e dono de um vasto glossário de palavrões. “Só não acho que devo dizê-los publicamente”, explica. A calma e o otimismo que transparece, porém, são reais e são fruto, segundo ele, de herança genética. “Sou muito bem resolvido comigo mesmo”, resume. Faz terapia? “Não, nunca fiz. Vivo bem porque sou grato à vida. O leitor vai perguntar: ‘Puxa, esse cara não tem problemas?’ Tenho, todo mundo tem problemas, dúvidas, preocupações, unha encravada, dor de dente, tenho tudo. Só que as questões existenciais são equacionadas dentro de mim.”

Ele agradece a sua harmonia interna a duas Marias, a mãe, Maria Antonia, hoje com 80 anos, e a avó, já falecida, Maria das Dores. Elas eram suas terapeutas: “Eu resolvia meus problemas conversando com elas, mulheres importantíssimas na minha formação”, conta. O pai, também falecido, é uma figura mais distante. Depois da separação, ele e a irmã foram criados pela mãe e com a ajuda de tios, além da “vó Dodô.” O pai mudou de cidade, casou-se novamente, teve outros filhos e os contatos se reduziram. As duas Marias que o criaram com muito amor e compreensão tiveram, no entanto, um momento de sobressalto. “Foi quando eu disse que queria ser ator”, lembra. A mãe pediu apenas para ele não abandonar os estudos. “Eu dizia para minha avó que queria ser igual ao Oscarito, e ficava imitando-o. Lembro de ela dizer, rindo: “Menino, para de fazer macaquices!”

Ramos acha importante esclarecer que seu otimismo está sempre acompanhado por “um pé atrás” – que significa cautela. Quando o positivismo é atropelado por fatos que ele não aprova, critica sem piedade. Não precisa ser publicamente, pode ser apenas entre os amigos e a família. “É assim que me manifesto politicamente. Vários companheiros meus preferem se engajar, manifestar votos. Eu prefiro não fazer isso. Já votei no (José) Serra, no Fernando Henrique Cardoso, votei duas vezes no Lula. Voto no homem e não no partido. Voto na ideia e não em conglomerados. Não gosto de corporativismo, não gosto de lobby.” Nas poucas vezes em que o ator aparece publicamente fora de novelas ou filmes é em campanhas como Câncer de Mama no Alvo da Moda, realizada pelo Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.

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VIDA EM FAMÍLIA
No quintal de casa brincando com as galinhas, aos cinco anos, e na hora do “sim” no casamento
com Lidiane, sua mulher há 42 anos. Eles tiveram dois filhos e são avós de dois netos.
“Vou ficar sem fazer nada no ano que vem, 2011 será meu ano sabático”, diz o ator

O ator se diz otimista com o futuro da nação nas mãos da presidente eleita, Dilma Rousseff: “Acredito que ela conseguirá fazer um bom governo. Ela tem história, é capaz, está voltada para esse projeto”, afirma ele, que preferiu não declarar se votou nela. O cidadão Antonio de Carvalho Barbosa quer uma distribuição de renda ainda mais justa, um Brasil que respeite as liberdades e uma educação de qualidade. “Sou filho de uma professora aposentada e com ela aprendi que o caminho de um país decente é por aí”, diz ele. Antes de encerrar a entrevista, Ramos repete a pergunta que já tinha feito outras vezes à repórter: “Por que a ISTOÉ me escolheu como Brasileiro do Ano na Cultura?” Quem leu a matéria até aqui sabe a resposta. A homenagem a Tony Ramos tenta fazer jus à qualidade e grandeza de seu trabalho como ator e premia, paralelamente, a ética e a cortesia que ele divulga incansavelmente.

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Luiz Inácio Lula da Silva – Brasileiro da década
Dilma Rousseff – Brasileira do ano
Aécio Neves – Brasileiro do ano na política
Marcelo Tas – Brasileiro do ano na televisão
Thiago Pereira – Brasileiro do ano no esporte