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Era um domingo ensolarado na zona leste de São Paulo. Protegido pela sombra da arquibancada do complexo aquático do Corinthians, clube que beira o rio Tietê na região do bairro do Tatuapé, o fluminense Thiago Pereira, consagrado no mês passado como o rei da Copa do Mundo de Natação de 2010, refrescava-se saboreando um sorvete de açaí. Uma piscina olímpica de 50 metros o separava de um grupo de associados reunidos em uma animada roda de samba, o ritmo musical preferido naquele endereço da capital paulista. Ritmada pelas palmas distribuídas em pandeiros, banjos e repiques de mão, a canção “O Que É, o Que É”, de Gonzaguinha, casava direitinho com as parábolas contadas por Thiago, 24 anos, sobre a própria trajetória. A frase “Ah, meu Deus! Eu sei, eu sei. Que a vida devia ser bem melhor. E será” diz bastante sobre o nadador.

Depois de bater na trave do pódio em duas Olimpíadas – quinto em Atenas, em 2004; quarto, em Pequim, em 2008, ambas nos 200 metros medley – e chegar na quarta colocação no Mundial disputado em Roma, em 2009, em duas provas (200 metros e 400 metros medley), Thiago arrumou as malas rumo aos Estados Unidos para estudar e treinar na Universidade Sul da Califórnia (USC), em Los Angeles. Abriu mão de uma meta pessoal para fazer parte de uma notória estatística. “Meu filho tinha o sonho de provar ser possível um nadador brasileiro conquistar uma medalha olímpica treinando apenas no País”, conta sua mãe, Rose Vilela, 51 anos. A realidade, porém, acabou falando mais alto. “No Brasil, treina-se para realizar o sonho de ir a uma Olimpíada. Nos Estados Unidos, para ganhar”, compara Thiago, que há um ano divide um apartamento de dois quartos em West LA com um amigo americano e o cachorro Billy.

Conquistar, este ano, a Copa do Mundo de Natação, competição formada por sete etapas disputadas em vários países em menos de dois meses, serviu para mostrar que o fôlego e o preparo físico e mental do atleta nascido em Volta Redonda (RJ) estão afiados para o objetivo maior: a medalha olímpica.

FÔLEGO
Na Copa do Mundo, Thiago nadou em sete países durante dois meses.
Percorreu 40 mil quilômetros de avião e esteve em três continentes

Para atingir a façanha de 22 medalhas (impressionantes 19 de ouro e três de prata) na Copa, nesse curto intervalo, Thiago percorreu, sozinho, 40 mil quilômetros de avião. Esteve em três continentes. Encarou atrasos no aeroporto de Berlim, horas de trânsito em Moscou, hotel acanhado em Tóquio, comida intragável em Pequim, neve, calor de 30 graus e todo tipo de fuso horário. Mesmo assim, foi o primeiro brasileiro a conquistar o torneio e o nadador que mais venceu provas em toda a história do circuito, que existe desde 1979 e, neste ano, teve como cidades-sedes Rio de Janeiro, Estocolmo e Cingapura.

A compensação de tanto esforço está, também, no bolso de Thiago. Nenhuma outra competição premia tão bem um nadador quanto a Copa do Mundo. “Não havia, antes, ganhado tanto dinheiro em apenas dois meses”, confirma o brasileiro. Foram cerca de R$ 170 mil (equivalentes a US$ 100 mil) por terminar as sete etapas na frente de todos os outros competidores e R$ 54 mil (US$ 31,5 mil) pelas 22 medalhas. Aqui, vale uma explicação: a Thiago não bastava vencer os adversários de suas provas para ser coroado o rei da Copa. A honraria seria entregue ao nadador que apresentasse melhor índice técnico (critério que se baseia nos tempos obtidos e não no número de medalhas) durante o torneio. Uma vez fora da piscina, então, ele calculava o desempenho dos atletas de outros estilos para saber que tempo deveria cravar em suas provas. Resumindo: ele foi o melhor entre os cerca de 200 competidores e não apenas em relação aos outros sete com os quais disputou palmo a palmo a dianteira nas piscinas.

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“Sou admirador do Thiago. Não é qualquer atleta que se propõe a encarar um desafio como esse”, diz Ricardo Prado, que teve seu recorde sul-americano nos 400 metros medley, que já durava 20 anos, quebrado por Thiago em 2004. Há tempos o fluminense faz história no esporte. Atualmente, ele acumula 13 recordes – entre nacionais e sul-americanos. É, ainda, o responsável por recolocar o Brasil entre os melhores do mundo no nado medley (no qual o competidor nada os estilos borboleta, costas, peito e crawl), o que não ocorria desde a medalha de prata obtida por Prado na Olimpíada de Los Angeles, em 1984. É o atleta que mais conquistou medalhas em uma mesma edição dos Jogos Pan-americanos: seis de ouro, uma de prata e outra de bronze, no Pan do Rio de Janeiro, em 2007. Naquele mesmo ano, foi eleito o melhor nadador do mundo pela revista “Swimming World”, espécie de bíblia da modalidade. Mas para a vida de Thiago – quem sabe – servir de inspiração para um samba faltava ainda turbinar suas braçadas.

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BRAÇADAS
Nos EUA, Thiago faz diariamente cinco horas de treino

E foi para enfeitar o bolo com a cereja que o atleta encarou a mudança de ares – como diz a música de Gonzaguinha, com “a beleza de ser um eterno aprendiz”, cantada ali perto do campeão da Copa do Mundo. Em Los Angeles, o treinador americano David Salo, que tem na bagagem a formação de medalhistas olímpicos e recordistas mundiais, não faz o tipo paizão, como acontece com frequência no Brasil. Nas mãos dele, o brasileiro aprendeu a nadar equilibrando-se em uma fisioball (bola feita de plástico ou silicone cerca de quatro vezes maior e mais larga que uma de futebol), só para citar um dos desafios. “É para travar o abdômen. O David tem uma mentalidade diferente”, diz Thiago, que, segundo sua mãe, aos 3 anos, atravessou uma piscina nadando sozinho. Aos 12, ele ganhou a primeira medalha da carreira, um bronze em uma competição em Volta Redonda. Com 15, passou a defender o Minas Tênis Clube, onde despontou para o mundo. Desde maio, zela pelas cores do Corinthians. Teve direito a volta olímpica de apresentação no Pacaembu minutos antes de uma partida de futebol. “Tinha 26 mil pessoas no estádio. Nunca ouvi tanta gente gritar meu nome”, afirma.

“Sou admirador do Thiago. Não é qualquer atleta
que se propõe a encarar um desafio como esse”
Ricardo Prado, medalha de prata na Olimpíada de
Los Angeles, em 1984, sobre a Copa do Mundo

Passar um domingo ensolarado no clube paulista foi como um prêmio para o rei da Copa do Mundo. Em Los Angeles, Thiago cai na piscina, muitas vezes, com os termômetros marcando 4 a 5 graus. São cinco horas de treino puxado, muitos questionamentos. No Corinthians, porém, tome animação e samba do outro lado da piscina. É o “deixa a vida me levar, vida leva eu”, de Zeca Pagodinho, que faz o rei da Copa do Mundo pensar que vale a pena viver a quase dez mil quilômetros de distância da mãe, da namorada e do pai, o comerciante Maurício Pereira, com quem gosta de pescar. De posse da coroa, Sua Majestade agora quer a medalha olímpica.

 

Luiz Inácio Lula da Silva – Brasileiro da década
Dilma Rousseff – Brasileira do ano
Aécio Neves – Brasileiro do ano na política
Marcelo Tas – Brasileiro do ano na televisão
Tony Ramos – Brasileiro do ano na cultura