A maior bilheteria do estúdio americano DreamWorks (sociedade entre Steven Spielberg, Jerry Katzenberg e David Geffen) é o filme de animação Shrek: seus três episódios juntos já renderam em todo o mundo cerca de US$ 2 bilhões. Como a série está quase no final (haverá apenas mais um filme em 2010, e só), a produtora tratou de arrumar rapidamente um outro bichinho campeão de público e o encontrou nos bambuzais da China. Com peso e charme semelhantes ao simpático Shrek, um preguiçoso urso panda surge como o grande astro de Kung fu panda, desenho animado que já aumentou o caixa da DreamWorks em US$ 156 milhões – estréia nos cinemas brasileiros na sextafeira 4. Katzenberg diz que a idéia surgiu há cinco anos, antes mesmo do estouro de Shrek. Somente quem acredita em contos de fada, porém, não enxerga o marketing que há por trás de um enredo sobre um urso fanático por artes marciais que chega às telas a poucas semanas da abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Passada na China imperial, o desenho é uma combinação de conto de fadas com ensinamentos básicos de filosofia oriental. O urso panda chama-se Po (na versão original, ele tem a voz de Jack Black), é comilão e vive no Vale da Paz com seu pai, um ganso que é dono de restaurante que só serve macarrão. Trabalha como garçom, mas seu sonho é virar lutador de kung fu, sobretudo porque na sociedade agrária em que ele mora são esses lutadores que defendem os habitantes dos saqueadores. Como nos filmes clássicos do gênero, esses guerreiros ficam encerrados em uma espécie de mosteiro, o Castelo de Jade, onde vivem sob a liderança de dois guardiões da tradição: a tartaruga Oogway e o panda vermelho Shifu, dublado por Dustin Hoffman em sua primeira incursão nesse tipo de atuação. É Oogway quem anuncia um grande acontecimento: a escolha do novo Dragão Guerreiro, o mestre de kung fu que terá a missão de representar e proteger a comunidade – no caso, isso significa vencer o vilão Tai Lung. Quem acaba sendo escolhido é Po, para espanto da bem treinada equipe de lutadores chamada Os Cinco Furiosos.

Ao contrário dos filmes de animação atuais, sempre dublados por estrelas de Hollywood, dessa vez os bichinhos não se parecem muito com os atores que lhes dão voz. Imagine, por exemplo, fazer um minúsculo louva-deus se assemelhar ao ator Seth Rogen, ruivo e gordinho. Tanto é assim que, quando foi escolhido para o papel, Rogen até brincou: "Perfeito, finalmente verei o meu sonho concretizado. Se há coisa que eu sempre quis foi interpretar um louva-deus." Dublada pela atriz Angelina Jolie, a personagem da lutadora Pantera, que na versão dublada tem a voz de Juliana Paes, tem traços curvilíneos. Mas poderia ter sido feita por qualquer outra atriz de mesmo figurino. A exceção fica para o panda Po e para o mestre Shifu, e basta isso para que se torne recomendável assistir à versão original e não à dublada.

É essa dupla que reserva as melhores passagens do filme. Em uma delas, vêse o mestre Shifu tentando ensinar alguns golpes difíceis para Po. E seu método não poderia ser mais simples: ele descobre que o panda só aprende se estiver em jogo um bom prato de comida e, assim, para a aula de manuseio devaras de bambu ele usa o truque de darlhe dois palitinhos de comer gyosa, sempre tirando os pasteizinhos de seu alcance a cada tentativa de apanhá-los. Com uma paisagem ao fundo que remete à grande pintura chinesa de séculos passados, a seqüência lembra aquelas cenas coreografadas de filmes como Fantasia e Dumbo, obras-primas de Walt Disney. Outro cenário feito com esmero é a prisão subterrânea em que fica Tai Lung, um fosso de grande profundidade, rodeado de escadas vertiginosas, tudo inspirado diretamente nas gravuras de clausuras do século XVIII de autoria do artista italiano Giovani Battista Piranesi. Esse mundo claustrofóbico, onde se esconde o vilão da história, certamente criará suspense para as crianças – caminho de sucesso mais que garantido para histórias desse gênero.