Dizem os espíritas que a desencarnação é um processo pelo qual  a alma se desliga do corpo físico e retorna ao plano espiritual.  A morte seria, portanto, uma espécie de renascimento passível até de celebração. É por isso que  se diz que um ser humano, na hora do encontro decisivo com aquela figura macabra de roupa preta  e foice na mão, “vai desta para melhor” – muito embora a imagem inspire sentimentos contrários. Em  Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está à beira do seu grande ritual de passagem. Daqui  a duas semanas, ele entregará  a faixa presidencial à sua pupila Dilma Rousseff. Lula prometeu que será o melhor ex-presidente que o Brasil já conheceu, sem dar qualquer pitaco no futuro governo. Disse ainda que irá “desencarnar” da Presidência da República. Os indícios, no entanto, apontam que o processo pode não ser  instantâneo. E talvez seja até bem doloroso. No espiritismo, aqueles que demonstram apego excessivo às coisas mundanas, como o próprio poder, demoram a se desligar. Podem vagar por anos a fio, como nas cenas do filme “Ghost”. E alguns acabam até gostando tanto das homenagens que recebem nas esquinas e encruzilhadas, que jamais completam o desencarne. No caso de Lula, é preciso passar do discurso à prática, antes mesmo de retornar à sua São Bernardo do Campo. Na semana passada, ele fez questão de demonstrar que não apenas manda, como gostaria de continuar mandando. No começo da semana, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou um agressivo pacote de contenção de despesas, que pode incluir até mesmo algumas obras do PAC. Antes disso, o Banco Central já havia anunciado a elevação dos depósitos compulsórios e restrições à venda de veículos. Tudo para enfrentar uma inflação que ameaça sair da meta de 4,5% ao ano. Lula não gostou. E desautorizou o ministro que ele próprio indicou a Dilma, dizendo que nenhum centavo do PAC será cortado. Na mesma semana em que prometeu desencarnar, Lula colocou uma ressalva. Disse que continuará a fazer política e que uma de suas missões será provar que o Mensalão nunca existiu. Segundo ele, foi apenas uma tentativa de golpe – teria sido algo como aqueles gols espíritas do futebol, que ninguém sabe ao certo como acontecem. Se for essa a política feita por Lula, tudo bem. Pior será tentar interferir no futuro governo Dilma. Afinal, o próprio presidente sempre disse: “Rei morto, rei posto”. É hora de desencarnar.