De uma televisão pública, espera-se que expresse o pensamento da sociedade, e não do governo de plantão. Que, sendo de propriedade da sociedade, sua administração seja plural e descentralizada, com a participação dos setores organizados da população. Seis meses depois de criada, a TV Brasil sofre ataques por supostamente não cumprir esses dois pré-requisitos. Primeiro, foi o ex-editor-chefe da tevê e ex-âncora do Repórter Brasil, telejornal da emissora, Luís Lobo, que saiu denunciando pressão do governo na elaboração do noticiário. Há duas semanas, uma demissão de mais peso: o cineasta Orlando Senna, mentor da idéia de tevê pública no País, deixou a emissora acusando a presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel, de centralizadora, e a estrutura da tevê de burocrática. Dias antes, deixara também a emissora, também por desentendimentos com Tereza Cruvinel, o ex-diretor de Relacionamento da Rede Mário Borgneth.

"A direção geral, cargo que ocupei, não tem autonomia e mobilidade necessárias para cuidar dos aspectos operacionais da empresa, tornando-se, no atual desenho de gestão, praticamente desnecessária", diz Orlando Senna na sua carta de demissão. Segundo Senna, a TV Brasil, "entre outros equívocos, concentra poderes excessivos na Presidência, engessando as instâncias operacionais que necessitam de autonomia executiva para produzir em série, como qualquer tevê". E toca no ponto: "Esse processo de concretização do sonho de uma tevê pública, de uma comunicação plenamente pública, blindada contra os poderes e interesses governamentais e econômicos, só chegará a bom termo com a participação direta da sociedade". Procurado por ISTOÉ, Senna disse não ter mais a acrescentar sobre o assunto.

"Em qualquer empresa, pública ou privada, diretores eventualmente saem", minimiza Tereza Cruvinel. Além de tentar minimizar os efeitos das demissões de Senna e Borgneth, Tereza aposta na produção própria para tirar a tevê pública do traço de audiência. Na semana passada, estreou o programa comandado pelo jornalista Ancelmo Góis, De Lá para Cá, que aborda acontecimentos históricos e seus efeitos nos dias atuais. O programa de estréia falou da Passeata dos 100 Mil, realizada em 1968 para protestar contra a ditadura militar. E fechou com Caetano Veloso cantando com Ancelmo É proibido proibir. Segundo a emissora, o programa registrou 1,05% de audiência.

Mas funcionários da tevê queixam-se de pressões. Há reclamações de normas não escritas para favorecer versões oficiais no noticiário. "A gente não conseguiu eliminar a chapa-branca, até porque ela, na verdade, está enraizada na cultura da empresa", disse à ISTOÉ Eugênio Bucci, que presidia a Radiobrás, empresa que foi extinta para a criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que engloba a TV Brasil. Após deixar a empresa, Bucci escreveu um livro, Em Brasília, 19 horas, em que mostra como a pressão do governo criava obstáculos à sua intenção de fazer uma comunicação menos governamental e mais pública. Os episódios das demissões dos diretores revelam que as turbulências continuam as mesmas.