Por mais que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, se esforce para mostrar que vai tudo bem com o Programa de Aceleração do Crescimento, investigações da Polícia Federal indicam que nem sempre os recursos do PAC estão chegando ao seu destino. Mesmo depois que a PF deflagrou a Operação João-de-Barro, revelando desvios nas obras de prefeituras, a ministra insistiu em que há no País uma "escandalização do nada". Contudo, em entrevista à ISTOÉ, o ministro das Cidades, Márcio Fortes (PP), reconheceu que sua pasta é vulnerável à ação de funcionários desonestos e que não existe no Ministério um setor específico para fiscalizar os investimentos em saneamento e habitação, que este ano podem superar R$ 4 bilhões. "Há apenas um representante da Controladoria-Geral da União para acompanhar a aprovação de todos os projetos do PAC", afirmou o ministro. Na manhã da sexta-feira 20, Fortes recebeu ligação do colega da Justiça, Tarso Genro, às sete horas da manhã. "Ministro, estamos enviando uma equipe da Polícia Federal para cumprir mandado de busca e apreensão no seu prédio", avisou Genro. "Coloca alguém aí para receber a PF". Meia-hora depois do telefonema, os policiais federais chegaram. Recolheram agendas, computadores e documentos. Para a PF, as obras do PAC transformaram-se numa espécie de queijo suíço, cheio de buracos – não fosse a ação da polícia e do Ministério Público, já teriam sugado cerca de R$ 700 milhões.

Segundo a investigação da PF e do MP, que corre em segredo de Justiça, dois funcionários do Ministério das Cidades, indicados para os cargos por integrantes do esquema criminoso, davam prioridade ao andamento dos projetos fraudulentos e repassavam informações privilegiadas aos prefeitos e seus intermediários. Sem sequer aguardar o desfecho das investigações, Fortes exonerou o assessor da Secretaria de Saneamento, Luiz Cláudio Vasconcelos, e o gerente de projetos, Frederico Carlos de Carvalho, presos pela PF fora do Ministério. "Eles ocupavam cargos de confiança e, diante das denúncias, não tinham mais condições de avaliar os projetos do PAC", explicou Fortes, que admitiu não ter sido responsável pela escolha dos dois auxiliares. Embora reconheça a vulnerabilidade na seleção dos projetos, o ministro culpou a Caixa Econômica Federal por eventuais desvios e irregularidades nas obras do PAC: "Os problemas estão ocorrendo lá na ponta. Não temos nenhum contrato com prefeituras ou governos. Todos os contratos são feitos pela Caixa, que é paga por nós para isso." Na opinião de Fortes, que depois foi advertido pelo Palácio do Planalto, caberia à Caixa fiscalizar a execução das obras.

"Muitas vezes, eu tenho que me submeter às indicações políticas"
Márcio Fortes, ministro das Cidades

Uma das acusações da PF é de que, depois do orçamento aprovado, algumas obras foram realizadas com material de baixa qualidade.

Na terça-feira 24, a ministra Dilma Rousseff aproveitou o evento de assinaturas de contratos do PAC nas áreas de saneamento e habitação – exatamente as que estão sendo investigadas pela PF – para elogiar o desempenho da presidente da Caixa, Maria Fernanda Coelho. Dilma reafirmou que a imprensa faz muito barulho por nada. A ministra, porém, viu-se obrigada a exonerar o coordenador político do Ministério das Cidades, José Alcino Scarassati, indicado pelo então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Suspeito de envolvimento com o esquema denunciado pela Operação João-de- Barro, José Alcino é pai do estudante André Scarassati, dono da Construssati, que recebeu R$ 5,5 milhões para fazer casas em Palmas (TO) com dinheiro do PAC, de acordo com o jornal Correio Braziliense. O jovem empreiteiro André Scarassati tem apenas 26 anos e sua empresa conta com somente dez funcionários. Mesmo assim foi vitorioso na milionária licitação pública.

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As investigações apontam o envolvimento de 20 construtoras no esquema de desvios, entre elas a Global Engenharia, a Etenge e a Construtora Ponto Alto. Com a ajuda de cinco deputados, as construtoras desviaram dinheiro dos Ministérios das Cidades, do Turismo, e da Integração Nacional, repassado pela Caixa e pelo BNDES. O esquema teve origem em Governador Valadares (MG). Lá, o deputado federal João Magalhães (PMDB) é apontado como o verdadeiro dono da Construtora Ponto Alto, registrada em nome da cozinheira Josélia Ferreira dos Santos, 53 anos. Ela contou ao MP que foi procurada para assinar papéis para a criação de uma empresa que seria do deputado Magalhães e só depois descobriu que seu nome estava "bagunçado" na Receita. Foi aí que nasceu a Ponto Alto, com sede em Belo Horizonte. O STF analisa pedido de quebra de sigilo do deputado Magalhães. Outro acusado é o deputado federal Ademir Camilo (PDT), suspeito de passar todas as suas emendas parlamentares para os lobistas. Um dos presos é João Carlos de Carvalho, de Governador Valadares, que administraria as emendas de Camilo. Carvalho seria dono de várias casas em condomínios fechados da Bahia. De acordo com o MP, ele ajudou a ampliar o esquema em Minas Gerais. Outras construtoras que fraudaram o PAC destinavam o dinheiro para a construtora do deputado João Magalhães, segundo os investigadores, a exemplo da empresa Chaves & Rangel. O procurador de Governador Valadares, Zilmar Drumond, já impetrou 27 ações contra a quadrilha das construtoras.

Na segunda fase da investigação, a PF vai cruzar a documentação apreendida em 231 buscas. O esquema tinha ramificações em várias áreas do governo, inclusive no Tesouro Nacional, onde teria facilidades para negociar avaliações sobre capacidade de endividamento. Otávio Augusto Gonçalves Jardim, funcionário de carreira do Tesouro, foi exonerado. Mas é no Ministério das Cidades que uma devassa da CGU vai checar todos os repasses para prefeituras e Estados. Nos últimos 12 meses, o nome do Ministério apareceu nas investigações das operações Navalha, Santa Tereza e João-de-Barro. Márcio Fortes, que se diz um "ministro técnico", não tem autonomia para escolher vários de seus próprios subordinados. "Muitas vezes eu tenho que me submeter a indicações políticas", diz o ministro das Cidades. Prova disso é a recente contratação da ex-prefeita de Boa Vista Tereza Jucá para a Secretaria de Programas Urbanos. Não passou pelas mãos do ministro o levantamento da Abin sobre a vida pregressa de Tereza, que é alvo da PF em 14 inquéritos. A ficha foi enviada diretamente a Dilma Rousseff, que aprovou a nomeação. Quem indicou Tereza Jucá? Seu ex-marido, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, do PMDB.


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