O advogado aposentado Blasco Peres Rego, 75 anos, é uma celebridade na cidade paulista de Bauru: escreveu e publicou 107 livros, sendo um deles, em particular, a menina de seus olhos – chama-se Manual do porteiro. Essa obra foi a chave para ele ficar entre os 23 candidatos à cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupada pela escritora Zélia Gattai até o seu falecimento, no mês passado. A 23, na verdade, é uma das mais disputadas, e não sem razão. Ela é a mais nobre: o fundador dessa cadeira foi Machado de Assis, ou seja, ninguém menos que o próprio criador da academia. Ela já teve como patrono outro gênio da literatura, José Alencar. E nela também se sentaram outros grandes nomes, entre eles os escritores Alfredo Pujol e Jorge Amado – que ao morrer abriu caminho para que sua mulher, Zélia Gattai, fosse eleita imortal e ocupasse o mesmo assento. Nunca uma vaga na ABL foi tão disputada como está sendo agora. Qual o motivo? É o número, o 23. Peres Rego e outros ilustres desconhecidos do grande público concorrem, por exemplo, com gente famosa como o cartunista Ziraldo, o escritor Antônio Torres, os pesquisadores literários Ricardo Cravo Albin e Isabel Lustosa. "Não há favoritos. Nessa eleição, diferentemente das anteriores, não há o que o poeta Manuel Bandeira chamava de cão de açougue, ou seja, um nome que os demais candidatos reconheçam como o mais legítimo", diz o presidente da casa, o escritor Cícero Sandroni.

Para ocupar uma das 40 cadeiras da ABL, o candidato deve não apenas apresentar um currículo "de relevância", mas tem de se dar bem com os eventuais futuros colegas. "Como já disse José Sarney, não basta ser bom escritor. É preciso não ser chato porque vamos conviver pelo resto da vida, já que somos imortais", brinca Sandroni. Os que pleiteiam a 23 raramente falam desse assunto, querem nesse momento distância da mídia – é o caso de Ziraldo, que está na disputa por um assento pela segunda vez. Mas há exceção: o estreante Antônio Torres fala de suas andanças para ser imortal: "Tive de intensificar minhas atividades por lá, mas como conheço muitos deles não preciso ficar telefonando para fazer campanha. Eu tenho enviado cartas aos acadêmicos e venho recebendo respostas muito amáveis." O que o Manual do porteiro é para Peres Rego, a Um táxi para Viena D’Áustria é para o baiano Torres. No caso dos candidatos desconhecidos, muitas vezes já é importante apenas ser candidato. Peres Rego, por exemplo, fala de seu orgulho por ter disputado em 2003 a vaga do jornalista Roberto Marinho. Perdeu. E daí? "Jamais desistirei da imortalidade", diz ele.