O Brasil, todos sabem, tem uma nova lei seca. Ela vale desde o dia 20 de junho e coloca na cadeia quem decidir beber e dirigir. Nessas duas semanas de vigência, houve tempo suficiente para que a medida pudesse decantar. Ainda assim, há tempos uma legislação não era tão comentada e tão criticada. O argumento? O governo teria exagerado na dose. Dizem os críticos da lei que até velhinhas inocentes serão presas depois de comerem um bombom de licor. Jovens casais não poderão mais dividir uma garrafa de vinho. E executivos estressados perderão o direito ao sagrado happy-hour.Nisso tudo, há mitos e verdades. Chocolates com licor não levarão ninguém à cadeia. Três taças de vinho, talvez. A questão, no entanto, é outra. De que maneira uma lei pode vingar num país tão avesso a regras e ainda situado a meio caminho entre a selva e a civilização? Sendo branda, jamais. Com algum radicalismo, há uma chance. Afinal, o Brasil é um universo à parte onde o próprio presidente da República admite o crime de caixa 2, dizendo que só fez o que os outros sempre fizeram, e a oposição se cala diante da evidência de que ele tem toda razão. Em maior ou menor grau, com maior ou menor teor alcoólico no sangue, somos todos delinqüentes.

No Brasil, só medidas duras têm chance de vingar. Afinal, em maior ou menor grau, somos todos delinqüentes

A lógica que vale para a política é a mesma que se aplica à vida cotidiana. Um traço marcante do brasileiro é a auto-indulgência diante de qualquer desvio de conduta. Sonegou? "Mas os impostos são altos demais." Escondeu dinheiro na Suíça? "É preciso proteger o patrimônio." Bebeu e saiu por aí dirigindo? "Bom, mas todo mundo faz isso." No entanto, esse discurso muda radicalmente quando se passa da condição de infrator à de vítima. Só assim o individualismo dá lugar à consciência coletiva, pois, na nossa visão de mundo, crime se define como aquilo que os outros cometem. Goste-se ou não, é esse o caráter nacional. E o fato é que o Brasil vive uma epidemia de mortes no trânsito: 36 mil por ano, das quais 61% estão ligadas à combinação perversa de álcool e direção.
A grande inovação da lei seca é uma só: a partir de agora, qualquer um pode ser obrigado a passar algumas horas na cadeia. Para quem acha isso o fim do mundo, recomenda-se a visita ao site www.mugshots.com. Lá estão os nomes, as fotos e as circunstâncias em que várias celebridades de Hollywood, como os atores Keanu Reeves, Kiefer Sutherland e Lindsay Lohan, foram presas nos Estados Unidos. Em 90% dos casos, beberam e dirigiram, colocando suas vidas e as de outras pessoas em risco. Alguns dirão: "Bom, mas lá eles exageraram porque o limite tolerado de álcool é maior". A resposta: pode até ser, mas o Brasil ainda precisa de um choque de conscientização antes que seja possível rever os critérios. Até lá, um brinde à lei seca.


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