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Patti Smith e Robert Mapplethorpe se conheceram aos 20 anos quando vagavam sem dinheiro pelas ruas de Nova York. Isso antes de Patti se tornar uma cantora famosa e Mapplethorpe se afirmar como ícone gay e fotógrafo consagrado (ele morreu em 1989). Aquele período é relembrado na autobiografia “Só Garotos” (Companhia das Letras), vencedora do National Books Award, uma homenagem de Patti ao amigo. Ela narra com intimidade e referências literárias e musicais os anos de formação e de descoberta da sexualidade no auge da contracultura.

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Leia um trecho do livro:

Estava quente na cidade, mas eu ainda usava minha capa de chuva. Dava-me segurança quando ia para as ruas atrás de trabalho, meu único currículo, uma passagem por uma fábrica, vestígios de uma formação incompleta e um uniforme de garçonete imaculadamente engomado. Arranjei uma vaga em uma pequena cantina italiana chamada Joe’s na Times Square. Três horas depois, no meu primeiro turno, derrubei uma travessa de vitela à parmegiana no paletó de tweed de um freguês e fui dispensada das minhas obrigações. Sabendo que nunca daria certo como garçonete, deixei meu uniforme — um pouco manchado — com os tamancos combinando em um banheiro público. Minha mãe me dera aquilo, um uniforme branco e tamancos brancos, investindo suas esperanças no meubem-estar. Agora pareciam lírios murchos, largados em uma pia branca.

Quanto à nuvem densa de psicodelia da St. Mark’s Place, eu não estava preparada para a revolução em andamento. Havia um clima de paranoia, vago e inquietante, uma correnteza profunda de rumores, fragmentos captados de conversas que antecipavam a futura revolução. Eu simplesmente ficava ali sentada tentando imaginar tudo aquilo, o ar impregnado de fumaça de haxixe, o que talvez explique minhas lembranças oníricas. Fui atravessando, à unha, uma rede espessa de consciência cultural que nem sabia que existia.