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MODERNO
Ao misturar poesia e oralidade,
Noel inaugurou uma nova maneira de compor
e antecipou o canto-falado dos rappers

Nascido no bairro carioca de Vila Isabel, boêmio, sambista de muitos parceiros, um dos maiores gênios da música brasileira, vencido pela tuberculose e morto aos 26 anos. Trata-se do compositor Noel Rosa que, se estivesse vivo, completaria 100 anos neste sábado 11. Noel foi contemporâneo da malandragem que tinha na navalha e na capoeira as suas principais armas – e a execrava. Fácil imaginar, então, como ele se sentiria atualmente em seu querido Rio de Janeiro. Criticaria em suas bem rimadas letras a bandidagem de gente como Mister M., Polegar e Pezão. É que Noel, embora tivesse amigos no morro, como Cartola e Ismael Silva, nunca gostou de violência. No famoso duelo musical que travou com o sambista Wilson Batista, ele cunhou os versos: “Joga fora essa navalha que te atrapalha (…)/ Malandro é palavra derrotista/ Que só serve pra tirar/ Todo o valor do sambista”. No seu centenário, celebra-se, pois, essa visão arguta que torna sua obra sempre atual. “O que me impressiona é a sua atemporalidade”, diz o compositor Ivan Lins, às voltas com a gravação do CD “Universidade da Vila”, que reunirá um grande time de intérpretes em torno das antológicas canções de Noel. O historiador Jorge Caldeira, autor do livro “Construção do Samba”, tem uma teoria para a permanência das músicas do chamado Poeta da Vila: “Ele foi o homem que catalizou no Brasil aquilo que se entende por canção popular”.

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MISTURA
Rafael Raposo interpreta o sambista no filme
“Noel – Poeta da Vila”: diálogo com o morro

Grande cronista da realidade urbana que se inaugurava com Getúlio Vargas na Presidência do País em 1930, Noel era dono de um humor especial e um formidável criador de tipos. “Foi um modernista, inclusive em relação ao canto, contrapondo sua voz miúda aos vozeirões de então”, afirma o historiador André Diniz, que acaba de lançar a biografia “O Poeta do Samba e da Cidade”, em homenagem ao compositor. Nesse campo, uma das conquistas de Noel foi conciliar poesia e oralidade, o que leva alguns a vê-lo como um precursor dos rappers. “Ele demonstrou que, com a matéria-prima do coloquial, se podia criar sambas que nada deviam à poesia dita culta”, diz o compositor Francisco Bosco. Essa sofisticação disfarçada de simplicidade aparece nas rimas virtuosas de substantivo com numeral (“Telefone ao menos uma vez para 344333”, em “Conversa de Botequim”) ou com verbo (“Se alguma pessoa amiga pedir que você lhe diga”, de “Último Desejo”).

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São inovações formais que correram paralelamente a outra de suas ousadias, agora no plano social e da convivência, como lembra  o sambista Martinho da Vila, que lançou este ano um CD em sua homenagem. “Ele aproximou-se dos compositores das favelas, influenciou e foi influenciado por eles”, diz Martinho. Diretor do filme “Noel – Poeta da Vila”, o cineasta paulista Ricardo Van Steen concorda com essa tese. E vai além. Segundo ele, a modernidade de Noel foi se interessar pelo outro: “Ele queria se misturar. Queria outras visões de mundo, ver o Rio de cima, o mangue de perto, variar do bas fond ao backstage, do estribo do bonde ao bilhar do salão nobre.”  Homem de muitos amores, as mulheres não poderiam escapar dessa visão inovadora.  “As mulheres de Noel traem, não sabem viver sem mentir”, diz Ivan Lins.

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