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PÂNICO
Um fantasma sempre perseguiu Bowie, que tinha
medo de ficar esquizofrênico como suas tias

Por onde andará o inglês David Bowie? Um dos músicos mais produtivos do pop, ele não lança absolutamente nada inédito desde 2003 e, após sofrer uma cirurgia no coração e interromper uma bem-sucedida turnê, há quatro anos nem sequer não dá o ar de sua graça como convidado especial em shows alheios – a última aparição aconteceu num evento beneficente com Alicia Keys. O sumiço da mídia, envolvendo um artista que soube usá-la a seu proveito como ninguém, só fez crescer a suspeita de que estaria doente (fala-se em câncer no fígado) ou de que, prestes a completar 63 anos, prepararia mais uma revolução em sua carreira, a exemplo de tantas que fez no passado. O certo é que, nesse meio tempo, reedições de seus CDs históricos nunca deixaram de vir à luz, como acontece agora com o lançamento da versão de luxo do álbum “Station to Station”, de 1976. Seu site oficial também anunciou a publicação do livro “Bowie: Object”, uma reunião de 100 “objetos” relacionados à sua trajetória, comentados pelo cantor. E sua mulher, a modelo Iman, declarou que o roqueiro passa o tempo pintando em casa e não planeja retomar as atividades musicais. É nesse clima de expectativas e rumores que chega às livrarias do País a biografia “Bowie” (Benvirá), do jornalista americano Marc Spitz, que, a exemplo do famoso nadador homônimo, dá boas braçadas num assunto caro aos fãs do rock.

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PESQUISA
Spitz leu 100 livros e entrevistou
ex-amigos do cantor

Bowie é considerado o mais influente artista pop e sua carreira foi movida a vaidade, ambição e muita fofoca. Spitz, obviamente, não falou com o retratado, que se re­cusa a colaborar com seus biógrafos, uma forma de aumentar ainda mais o mistério em torno de sua figura. Em contrapartida, o autor consultou uma centena de outras biografias e entrevistou figuras-chaves para entender o fenômeno Bowie, como a sua primeira mulher, Angie, e o empresário dos anos áureos, Kenneth Pitt. Esse período, meados dos anos 1970, é o mais atraente do livro. Foi nele que o mito em torno do músico se formou e deu origem a outra pergunta que ressoa há quatro décadas: como Bowie conseguiu sobreviver a uma vida tão dissoluta? Alçado ao sucesso na pele do personagem por ele inventado e chamado Ziggy Stardust, um roqueiro andrógino vindo de outro planeta, Bowie parte para a conquista da América e encontra nas drogas o combustível para se emparelhar a Elvis Presley e Frank Sinatra. “Ele pesava 40 quilos (perdia quase um quilo por noite) e vivia de cocaína, café, cigarros, pastilha de menta e leite integral”, escreve Spitz. O ex-baixista da banda Deep Purple, Glenn Hughes, anfitrião de Bowie em Los Angeles, detalha o cotidiano do amigo em sua casa: “David nunca dormia, estava numa tempestade de pó. Ficava acordado três ou quatro dias seguidos. Eu ia embora e voltava, ele continuava a mesma conversa de onde havíamos parado.”

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“Ele roubava ideias, claro. É o que os
artistas fazem.”
Angie Bowie, ex-mulher do roqueiro

O uso frequente de cocaína (ele conseguia um tipo medicinal, muito mais forte que o normal) levou Bowie a ter delírios persecutórios. Como era vizinho do casal LaBianca, assassinado pelo grupo de Charles Manson, o cantor escondeu todos os objetos pontiagudos debaixo da cama e estava convencido de que havia bruxas atrás do seu sêmen. Ele temia que elas o usassem para gerar uma criança filha do demônio. Desenvolveu uma incontrolável vertigem, não subia além do terceiro andar de edifícios e não usava elevadores. Ficou obcecado por magia negra, nazismo e numerologia. Essa fase, que deu origem ao personagem Tin White Duke, ao filme “O Homem que Caiu na Terra” e a um dos seus discos mais aclamados, “Station to Station”, parece ter se apagado da memória do cantor. O pouco que se lembra é que ficava dias escrevendo as primeiras estrofes das canções, sem sair do lugar: “Passava semanas acordado. Até gente como Keith Richards (guitarrista dos Rolling Stones) ficava espantada com isso.” O medo da loucura sempre atormentou Bowie. Garoto tímido, ele tinha muitos antecedentes de esquizofrenia na família de sua mãe. Seu irmão mais velho, Terry, se matou depois de passar por tratamentos para perturbações psicológicas. O livro, contudo, mostra que Bowie via um certo valor na insanidade. Ex-empresário de Lou Reed e Iggy Pop, fortes influências no início de carreira do inglês, Danny Fields conta que o cantor se sentiu atraído por eles devido ao desregramento de suas vidas. Julgava-se muito prático e calculista em relação à carreira: “David nunca foi louco e se sentia culpado por não sê-lo. Como seria possível ser um bom artista sem ser doido?” Spitz atribui à “intensa ética de trabalho e à disciplina criativa” o antídoto para tanta loucura. Só se esqueceu dessa palavra-clichê: genialidade.

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Leia um trecho do capítulo 18 :

Em sua chegada a Los Angeles na primavera de 1975, Bowie foi parar na casa do amigo britânico Glenn Hughes, que na época era baixista do Deep Purple e conseguira emplacar vários sucessos, incluindo Hush, de 1968. O álbum Machine head e seu single titânico, Smoke on the water, lançado em 1972, no mesmo ano do álbum Ziggy Stardust, os transformara em astros que lotavam estádios graças àquele riff.
Compromissos pelo mundo todo os mantiveram na estrada em grande parte daquele ano, então Hughes ficou feliz em dividir sua mansão próxima ao famoso Beverly Hills Hotel, em Benedict Canyon. Quando deixou Bowie sozinho, entretanto, ele não reparara na extensão da paranóia do amigo.
“Minha casa ficava a quatro casas da dos LaBianca”, Hughes se lembra, fazendo referência a uma das cenas de crime mais notórias da cidade, onde Leno e Rosemary LaBianca haviam sido chacinados pela família Manson dois dias depois do assassinato de Sharon Tate e seus amigos. “E acho que David descobriu isso. Quando voltei da turnê, descobri que todas as facas e objetos pontiagudos estavam embaixo da cama.”
Hughes, na época, tinha um estilo de vida de certa forma degenerado, mas logo percebeu que seu novo melhor amigo estava levando a decadência a extremos incomuns até para um roqueiro rico. Ao contrário de Hughes, Bowie não cheirava por diversão. Ele estava mergulhado na neurose e no medo, e obcecado em usar magia negra para obter sucesso e se proteger de forças demoníacas. Deixando de lado o vício, ele mantinha uma psicose induzida pela cocaína, em parte porque era uma instabilidade mental que ele podia controlar, diferente daquela que ainda pensava estar contida em seu DNA, esperando para se desdobrar e buscá-lo, como ocorrera com suas tias e seu irmão. Independentemente dos motivos, a lista de patologias de Bowie podia preencher páginas e páginas.