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EQUIPE
Débora, Renê e Igor Santos (de boné) tuitaram
durante a invasão da polícia. Eles vivem no Alemão

 

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Na manhã do domingo 28, dezenas de jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos se aglomeravam nas ruas que dão acesso ao conjunto de favelas conhecido como Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, para registrar a incursão das forças de segurança do Estado num território dominado por traficantes. Trajados com coletes à prova de balas e até com capacetes de guerra, nos momentos mais críticos, os profissionais de mídia tinham de correr para se proteger dos tiros. Enquanto eles reportavam para o mundo os detalhes da invasão, cinco moradores do Alemão – com idades entre 11 e 17 anos – postavam, em tempo real, informações sobre a ação da polícia, a reação dos bandidos e o cotidiano do morro no microblog Twitter. “Vão entrar é agooora”, publicaram, às 7h54. A experiência despretensiosa dos adolescentes deu tão certo que atraiu a atenção de Glória Perez. O número de seguidores do perfil @voz­dacomunidade explodiu de 180 para mais de 32 mil depois que a novelista da Globo recomendou a leitura do material produzido pela garotada. E a cobertura seguiu quente:

8:01 – É GUERRA mesmo! Muitos tiros.
8:06 – INTENSO TIROTEIO NESTE MOMENTO NO COMPLEXO DO ALEMÃO!
8:10 – São 3 helicópteros da polícia sobrevoando a comunidade.

“Eu não imaginava que teríamos tanta repercussão”, disse à reportagem de ISTOÉ o estudante Renê Silva dos Santos, 17 anos. Ao expor a rotina da favela, com a autoridade de quem sente os problemas na pele, Renê acabou se tornando uma das principais vozes do morro nos últimos dias. Ele e os seus quatro amigos passaram a semana em programas de tevê e dando entrevistas para veículos nacionais e estrangeiros. “A comunidade ainda está tensa, mas já começa a ficar mais tranquila”, afirmou Débora Mendes, 11 anos, uma das colaboradoras do @vozdacomunidade, na tarde da quinta-feira 2. “Não queria morar em outro lugar porque adoro o Morro do Adeus. Mas acho que as coisas aqui poderiam ser um pouquinho diferentes. Deveríamos ter mais escolas, mais hospitais… essas coisas.”

Embora sejam todos bem jovens, a turma de Renê aprendeu a tomar muito cuidado com as palavras. Falar ou escrever sobre o tráfico ou criticar a atuação da polícia, nem pensar. “Quero ressaltar que NÃO FIZEMOS NENHUMA DENÚNCIA sobre agressões no Alemão!” e “ATENÇÃO: A equipe do Voz da Comunidade não comenta nada sobre traficantes e nem policiais. Estamos sendo imparciais neste momento!” são alguns dos posts da segunda-feira 29.

Renê criou o perfil @vozdacomunidade em setembro. A ideia era que funcionasse como uma espécie de extensão do jornal que tem o mesmo nome e é editado por ele desde 2005. Renê estava chegando à adolescência quando resolveu levar para a vizinhança o que aprendera na escola. “No início, o jornal tinha quatro páginas. Agora tem 16, é mensal e a tiragem é de dois mil exemplares. A próxima edição será em formato tabloide”, conta. “Não é difícil conseguir patrocínio. Publicamos anúncios de bares, restaurantes, mercados.” No periódico, há reportagens sobre saúde, gastronomia e perfis de moradores. Nada sobre criminalidade.

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Graças à veia empreendedora, Renê já ganhou duas bolsas de estudo. Durante três anos, foi aluno de um colégio privado e, desde 2009, tem aulas de inglês. Mas ele quer mais. “Quero fazer faculdade de jornalismo”, afirma. Renê vive com a mãe e dois irmãos menores no Morro do Adeus. Ele lembra que o pai morreu há mais de uma década, em decorrência de alcoolismo. É na casa de Renê que o grupo se reúne, define as pautas e discute como melhorar a cobertura. A capa do próximo número do “Voz da Comunidade” será escolhida pelos moradores do Alemão e pelos internautas.

Renê e seus amigos não dormem no ponto. À medida que os tiroteios foram diminuindo e as notícias sobre apreensões de drogas e armas e prisões de suspeitos foram rareando, os tuiteiros do Alemão focaram na prestação de serviços. Postaram informações sobre interrupção e restabelecimento de energia elétrica, suspensão das aulas nas escolas, funcionamento do comércio local. Quando se deu conta do poder da internet, o grupo também passou a divulgar eventos sociais e a pedir doações de brinquedos para presentear as crianças da favela no Natal. “Fico feliz em poder ajudar”, afirma Renê.

Antes de se dedicar ao jornal e ao Twitter, o adolescente trabalhou como atendente numa pizzaria e vendeu doces e balas na rua para ajudar nas despesas da casa. “Este é o momento da comunidade pedir melhorias!!! Vamos aproveitar e ajudar nossa comunidade que precisa tanto! :-)”, escreveu no microblog, na quinta-feira 2, pouco antes de receber, em sua casa, o apresentador Luciano Huck. O que parecia ser brincadeira de criança, virou coisa séria.