chamada.jpg
GÊNIO
Se comprovada a autenticidade do acervo,
ele reescreve a história de Picasso

 

img.jpg
RIQUEZA
Guennec afirma ter ganho todo o acervo
de presente do pintor espanhol

 

As revelações de um eletricista francês aposentado deixaram o circuito da arte mundial perplexo na semana passada e podem mudar a história de um dos maiores pintores do século XX, o espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Pierre Le Guennec, 71 anos, apresentou nada menos do que 271 obras inéditas do mestre do cubismo, que ele manteve guardadas durante 40 anos em sua residência, no sul da França. Segundo o aposentado, que trabalhou para o artista nos últimos três anos de sua vida instalando alarmes antirroubo em suas residências, as preciosidades teriam sido presente de Picasso e sua última mulher, Jacqueline.

São 30 litografias, nove colagens cubistas, guaches, estudos de mãos em tela, 200 desenhos e uma aquarela de seu “período azul” (obras sombrias em tons de azul e verde-azulado). Se confirmada a autenticidade, a coleção valeria a fortuna de R$ 140 milhões. Só os trabalhos cubistas, considerados os mais raros, estão avaliados em R$ 90 milhões. Por causa do tesouro que tem em mãos, o eletricista está tendo que se explicar à polícia, por suspeita de furto, e deve responder a processo judicial movido pela família.

“Quando uma nova obra é descoberta, todo o roteiro da história do artista muda. Como são mais de 200, o que há sobre Picasso terá que ser revisto e estudado, se for comprovado que elas são mesmo dele”, afirma a professora de artes visuais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, Débora Gigli. Surpresa com as revelações, ela pondera que a análise do acervo poderá levar anos para ser concluída. Entre as obras está um retrato de sua primeira esposa, Olga; uma caricatura de André Salmon, um jovem crítico de arte que acompanhava o gênio desde a época de Montmartre, em Paris; estudos para a imagem das “Três Graças”; uma briga de cães; uma crucificação; e paisagens – algo raro na obra de Picasso.

Até o filho do espanhol, Claude Picasso, responsável pela Administração Picasso, teria ficado estarrecido com a descoberta. Mas pesa contra a confirmação da autoria o fato de os quadros não estarem assinados, uma praxe em todas as ocasiões em que o artista vendeu ou presenteou suas obras. Picasso, aliás, era extremamente organizado e cuidadoso com seu acervo e não deixava ninguém entrar em seu ateliê. “Ele era bastante generoso, mas sempre datava, assinava e escrevia uma dedicatória quando fazia doações”, ressalta o filho. Algumas obras não estão datadas, mas acredita-se que elas sejam do período entre 1900 e 1932, os anos mais férteis do artista, época de sua chegada a Barcelona.
A polêmica começou em 14 de janeiro deste ano, quando Claude recebeu uma carta do eletricista com a fotografia das obras inéditas do pintor, solicitando o certificado de autenticidade. Perplexo, o herdeiro respondeu que não poderia providenciar a autenticação apenas olhando as reproduções e, com especialistas, foi checar o acervo. A conclusão inicial é de que parece impossível um falsificador alcançar tamanha maestria em tão diferentes técnicas. Outra evidência de autenticidade é que um falsário não teria como conhecer alguns números que aparecem nas folhas dos desenhos. Mas a família ainda reluta em acreditar que a história seja verdadeira. “Ter dado a uma só pessoa essa quantidade de obras é completamente absurdo. Essa história não tem pé nem cabeça”, afirma Claude. As obras se encontram agora sob a proteção da Central de Luta Contra o Tráfico de Bens Culturais, em um cofre na sede do órgão da polícia francesa na cidade de Nanterre.

Mas a pergunta que todos fazem ao saber do eletricista e sua incrível coleção é: por que Guennec manteve os quadros escondidos por 40 anos? Especula-se que se tratou de uma estratégia para evitar a prisão com a prescrição penal de 30 anos para roubo de obras de arte. Mas é só especulação. Procurado, o velho senhor preferiu o silêncio e apenas murmurou: “Virá o que virá”.

img1.jpg