Conheci Mário Celso de Abreu, o Marão, há mais de 20 anos, em sua Belo Horizonte natal, ao conhecer sua filha Rossana, que se tornaria minha amiga e depois viria a trabalhar comigo quando abracei a carreira musical, como produtora primeiramente e posteriormente como minha empresária. Desde o início, senti grande afinidade com Marão. Técnico de futebol (agora ex), um tipo ranzinza e simpático, com um mau humor lapidar e tiradas de fina ironia, ele e eu tínhamos sempre assunto de sobra quando nos encontrávamos.

Como as lembranças dos times que treinou, entre eles a invicta campeã Seleção Mineira de 63 e o mítico Cruzeiro de Wilson Piazza, Tostão e Dirceu Lopes – trio de ouro que ele lançou em 64 e que alcançaria o pentacampeonato estadual –, ou os títulos conquistados no Atlético, América, Náutico e Sport Recife. Eram assunto corrente em nossas conversas também as muitas patacoadas e canalhices do futebol e do show biz, mundos tão semelhantes entre si, apesar de aparentemente tão distantes e distintos.

Mas, além de todas as saborosas histórias de boleiro e amante da música popular (o homem é admirador do chamado “sambão joia”, “gênero” consolidado por craques como Luiz Ayrão, Luiz Américo e Originais do Samba, além de fã de carteirinha do imortal Jamelão), o que eu mais gostava de ouvir eram suas sábias e sarcásticas frases, provérbios apócrifos, ditos populares recriados, que só um sujeito com um senso de observação muito agudo poderia proferir.

Para quase todos os temas Marão guardava um golpe verbal. E fatal. Sobre festas, costumava dizer para as filhas: “Se a festa começar às nove, fiquem até a meia-noite. Se o que vocês esperavam encontrar não aparecer, então vão embora. Ou tudo que vão achar é sobra.” Sobre Kombis: “Cuidado com motorista de Kombi, ele não tá nem aí. Ou a Kombi é velha ou não é dele.”

Sobre restaurantes, ele tinha a clássica: “Desconfie de restaurante vazio. Se está vazio, não deve ser bom.” Em sua sábia artilharia, divagava também sobre filas: “Só entro em fila se for pra receber algo. Pra pagar, nunca.” Ou sobre casas de campo e outras aquisições suspeitas: “Quem compra sítio ou casa de praia tem duas grandes alegrias. Uma, quando compra, outra, quando vende.”

De todas, a frase mais enigmática do homem era esta: “Não frequente sempre o mesmo lugar, senão você cria concorrência.” Demorei a entender tamanha filosofia. Mas o subtexto da sentença era: se você vai muito a um mesmo lugar, acaba encontrando as mesmas pessoas, e as mesmas pessoas num mesmo lugar devem ter algum objetivo comum. Logo, ir repetidas vezes a um mesmo lugar deixaria o sujeito a descoberto, vulnerável à “concorrência”.

Figura de cinema o Marão. Remanescente de um tempo em que o futebol era um terreno fértil para a filosofia popular, a sabedoria de botequim, a boa e brejeira malandragem. E não o pasto de arrogância e conversa mole pra boi dormir em que se transformou hoje, com seus teóricos chinfrins, sua verborragia “motivacional”, sua “erudição” marqueteira e vazia, suas técnicas de apostila, seus slogans de entusiasmo repetidos como palestras em programas de tevê.

“O segredo é não parecer pretensioso”, gostava de repetir. É, os profissionais do futebol de hoje precisavam conhecer Marão. E ouvi-lo.

Trocariam seu “futebolês” empolado e ininteligível por palavras e gestos simples. Bola no chão e a cabeça mais além, morando na filosofia.