O impasse se deu nos primeiros dias de outubro de 1948, ano da inauguração do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Setenta e uma obras, selecionadas em Nova York por um trio de importantes agentes artísticos, que incluía ninguém menos que o artista Marcel Duchamp (1887-1968), estavam encaixotadas e prontas para embarcar para São Paulo, onde integrariam a mostra Do figurativismo ao abstracionismo. Mas Francisco Matarazzo Sobrinho, presidente do futuro MAM, acabava de ser notificado do sumiço do responsável financeiro da exposição – um certo René Drouin – com os valores que pagariam a participação americana na mostra. O calote histórico veio à tona recentemente em tese da pesquisadora Regina Teixeira de Barros e foi assimilada pela atual curadoria do MAM-SP, que decidiu marcar o início dos eventos comemorativos dos 60 anos do museu com duas mostras sobre Duchamp.

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Marcel Duchamp: uma obra que não é uma obra "de arte" dá conta das diversas facetas do artista que deu um xeque-mate na idéia tradicional de obra de arte e que, nos últimos anos de vida, trocou a atividade artística pelo jogo de xadrez. Estão representados na mostra o Duchamp contestador, que promoveu objetos comuns à categoria de arte (os readymades); o artista-cineasta, que fez filmes e objetos óticos; o artista experimental, que trocou o suporte tradicional da tela pelo vidro e pela instalação; o copista, que reproduzia as próprias obras em réplicas numeradas. Não fosse seu ativismo pelo fim da originalidade da obra de arte, não teríamos hoje a Fonte (1917), a Roda de bicicleta (1913), O grande vidro (1915-23), ou a Caixa-valise (1942), em duas exposições simultâneas. As mesmas obras expostas no MAM estão também na mostra Duchamp, Man Ray, Picabia, no Museu Nacional D’Art de Catalunya. São todas réplicas "originais".

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i48660.jpgMas o que a exposição apresenta de novo é a função de Duchamp como curador. Durante 30 anos, ele trabalhou na concepção de pelo menos dez mostras coletivas dos surrealistas. "Ele soube, antes que muitos outros, que a maneira como um objeto é mostrado e o contexto de sua exibição afetam o entendimento que o público tem da obra", afirma a curadora americana Elena Filipovic, responsável pela retrospectiva com 120 obras. Na Sala Paulo Figueiredo, a mostra Duchamp-me, com curadoria de Felipe Chaimovich, também se refere ao Duchamp curador: estabelece conexões entre um experimento ótico que ele realizou em Buenos Aires, com obras de artistas brasileiros do acervo do MAM e com a curadoria de arte abstrata jamais realizada. "A idéia é reconhecer as heranças deixadas na América do Sul", diz Chaimovich, que expõe uma carta redigida de próprio punho por Duchamp para Cicillo.

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