Um pesadelo recorrente perturba o sono de artistas que alcançam o sucesso logo no primeiro trabalho: será possível manter o mesmo encanto na próxima obra? Essa dúvida se abateu sobre Breno Silveira, diretor do filme 2 filhos de Francisco, fenômeno de bilheteria que levou 5,2 milhões de pessoas aos cinemas em todo o País em 2005. A biografia de Zezé Di Camargo e Luciano foi tão bem recebida que entrou para a história como o quinto maior público do cinema nacional em todos os tempos. Diante dessa estréia estrondosa, fazer o segundo longa-metragem representou um desafio. "Estou ansioso para saber se os espectadores vão responder da mesma forma", diz ele. A prova será tirada na sexta-feira 25, quando entra em cartaz Era uma vez…, o novo trabalho.

Inspirado no clássico Romeu e Julieta, o diretor conta uma fábula moderna sobre a paixão vivida por um jovem morador do morro do Cantagalo e uma patricinha de Ipanema. Como pano de fundo, a desigualdade social e a guerra urbana que traficantes e policiais travam diariamente no Rio de Janeiro. A comparação com Cidade de Deus e Tropa de elite, ambientados no mesmo cenário, não o preocupa: "Procurei um ângulo novo. Quero falar de laços afetivos que se rompem."

Esse foco nos sentimentos dos personagens – e também do espectador – é uma herança de seu primeiro filme. "Ali descobri qual tipo de cinema quero fazer", diz. Na receita, ingredientes desprezados por outros cineastas brasileiros, com a clara intenção de levar o público às lágrimas. A história de Dé (Thiago Martins), o jovem pobre que trabalha num quiosque de praia e sonha com Nina (Vitória Frate), moradora de um luxuoso apartamento da avenida Vieira Souto, é contada na medida exata para emocionar a platéia. O que de fato acontece à medida que se acirram os conflitos com a rejeição de pais e amigos ao romance e a humilhação a que o rapaz é submetido. Narrar tudo isso de forma clara é o outro mandamento da cartilha de Silveira: "Quero que todos entendam o que estou mostrando, independentemente de classe social, idade ou região". Ele diz que não faz filmes "para o público", mas "pensando no público".

Emoção e clareza eram justamente duas qualidades de 2 filhos de Francisco que se repetem em Era uma vez… Outras, já normais no novo cinema brasileiro, também marcam presença: a fotografia bem cuidada, a direção segura e a boa atuação dos atores principais, Thiago e Vitória. A grande surpresa, contudo, vem dos coadjuvantes Rocco Pitanga e Cyria Coentro. Ele vive o irmão de Dé que, arrastado pelas circunstâncias, se transforma de honesto trabalhador em chefe do tráfico no morro. Ela é a mãe que tenta manter seus filhos longe da linha de tiro, mas fracassa e sofre desesperadamente – como acontece a tantas mulheres cariocas. Ambos são gratas surpresas. A direção de elenco é, aliás, um dos pontos fortes do filme e se estende inclusive a personagens secundários, como traficantes e moradores da favela, preparados por Laís Correa.

Silveira teve a idéia de fazer Era uma vez… em 1998, depois de trabalhar como fotógrafo no filme Dona Marta – duas semanas no morro, do documentarista Eduardo Coutinho. Ele chamou o escritor Paulo Lins para fazer o roteiro, mas ninguém quis bancar a produção: todo mundo a achou violenta e sem atrativos. Com o sucesso de 2 filhos de Francisco, o projeto foi retomado e burilado por Patrícia Andrade, roteirista da história de Zezé Di Camargo e Luciano. Embasado numa visão de mundo quase romântica, o tema se resume na fala do ator Thiago Martins, dita nos créditos finais: "Se a gente olhasse com mais cuidado uns para os outros, essa história ia ser diferente." No fim das contas, a favela e o asfalto são apenas palco para mais um enredo de amor. Nada que atrapalhe a sua trajetória de sucesso. Certamente Era uma vez… vai atrair milhões de espectadores aos cinemas. Se alguém sairá da exibição com uma idéia mais clara sobre essa guerra urbana, capaz até de impedir as pessoas de se amarem, isso é uma outra história.