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A cena acima aconteceu às 16 horas da terça-feira 15 no gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto. Foi vendida à opinião pública como um pacto construtivo entre Executivo e Judiciário para melhorar tecnicamente a investigação mais explosiva dos últimos tempos. Na prática, o encontro entre o ministro Tarso Genro, da Justiça, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que passaram a semana anterior às turras por conta da "espetacularização" da ação da PF e do uso de algemas nos presos da Operação Satiagraha, só ajudou na defesa de Daniel Dantas. Na segunda-feira 14, 22 horas antes da reunião dos ministros, o delegado Protógenes Queiroz, responsável pelas investigações, foi convocado para uma reunião de emergência, no gabinete do superintendente da PF em São Paulo. Disseram que seria uma reunião para analisar a operação e traçar os passos seguintes da investigação. Não foi o que ocorreu. O encontro, do qual participaram dez delegados, foi conduzido por Roberto Ciciliati Troncon Filho, diretor de Combate ao Crime Organizado, que desembarcou de Brasília como representante da cúpula da Polícia Federal junto com o chefe imediato de Protógenes, Paulo de Tarso Teixeira, da Divisão de Combate aos Crimes Financeiros. A reunião durou três horas e foi marcada por queixas, destemperos e acusações. Respaldado pelo ministro Tarso Genro, Troncon não mediu palavras ao apontar os erros cometidos no decorrer da operação. Criticou o fato de Protógenes ter recorrido à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à revelia dos superiores. Condenou o vazamento de informações para uma emissora de tevê e a resistência do delegado em relatar o andamento e as descobertas feitas durante as investigações, deixando o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, à margem dos acontecimentos.

i50589.jpgProtógenes chegou a se desculpar, mas diante das pressões reagiu também de forma destemperada. Afirmou que na semana anterior se recusara a informar quais seriam os nomes e os alvos da operação porque temia vazamentos e disse com todas as letras que não confiava "nem em São Paulo nem em Brasília". Em seguida, Protógenes comunicou que deixaria as investigações para se dedicar a um curso de aperfeiçoamento profissional. A delegada Karina Murakami Souza, que integrava a equipe de Protógenes, chegou a chorar diante das pressões. O delegado Carlos Eduardo Pelegrine, recentemente incorporado ao grupo, não continha o nervosismo. No final da reunião, os dois também pediram para deixar o caso.

Enquanto Protógenes recebia a reprimenda de seus superiores, alguns dos mais renomados advogados do País se reuniam, em um edifício na Vila Madalena, em um ato de desagravo ao ministro Gilmar Mendes, que concedeu dois habeascorpus seguidos ao banqueiro Daniel Dantas. Depois do encontro, 150 advogados tornaram pública uma carta de apoio ao ministro. A poucos quilômetros dali, aproximadamente 400 juízes federais e procuradores da República manifestavam solidariedade ao juiz Fausto Martin De Sanctis, que determinou as duas prisões do banqueiro. O problema de Gilmar Mendes começou, na verdade, há três anos, quando o Supremo resolveu manter o privilégio do recesso em julho, regalia que foi retirada das instâncias inferiores da Justiça. Com isso, coube apenas a ele julgar os habeas- corpus impetrados pela defesa de Dantas. Em agosto, o mérito desses mesmos habeas-corpus serão analisados pelo pleno do STF. Se a decisão de Gilmar Mendes for mantida pela maioria dos outros dez ministros, ele provará que está com a razão. Se perder, ficará caracterizada uma fissura jamais vista no Poder Judiciário. Caso vença por pequena diferença de votos, ficará caracterizada uma divisão no tribunal que terá pela frente o desafio de julgar os desdobramentos dessa operação.

Antes de deixar o comando das investigações, Protógenes fez chegar ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, uma fita de vídeo em que estão registradas cenas de um jantar, num restaurante em Brasília. À mesa estão dois assessores diretos do presidente do Supremo, o advogado Nélio Machado, um dos contratados para defender Daniel Dantas, e uma mulher alta, de cabelos loiros, bem vestida e ainda nãoidentificada. Na conversa é usada a expressão "um milhão de dólares". A gravação foi efetuada por funcionários da Abin, cedidos pelo diretor-geral da instituição, Paulo Lacerda, à equipe de Protógenes. O delegado também tem a informação de que o ministro Gilmar Mendes foi alertado do registro daquele jantar. O procurador- geral avalia a possibilidade de pedir uma perícia externa à PF para agregar as gravações ao inquérito.

O afastamento do delegado Protógenes só se tornou público na noite da terça-feira 15, horas depois de encerrada a reunião no Planalto. Repercutiu de forma negativa. Ficou claro à opinião pública que o delegado fora pressionado pela cúpula da PF a deixar as investigações. Diante disso, o presidente Lula novamente tentou minimizar os efeitos da crise. Disse que o delegado deveria continuar à frente do inquérito, determinando ainda que se divulgasse a gravação da reunião ocorrida na sede da PF em São Paulo que sacramentou a saída de Protógenes. Divulgaram apenas quatro minutos de um embate que durou aproximadamente três horas. Entre os trechos agora conhecidos está o delegado Protógenes justificando seu pedido de afastamento por causa de um curso de aperfeiçoamento na Academia de Polícia em Brasília. "As minhas operações nunca ficaram no meio do caminho. (…) A exemplo delas, essa também não vai ficar. Só que com um diferencial. Eu não vou ficar presidindo. Eu não pretendo presidir nenhuma investigação mais." Na quinta-feira 17, Protógenes reagiu, formalizando uma queixa ao Ministério Público, na qual denuncia "obstrução nas investigações". Diante disso, dois procuradores pediram a abertura de um procedimento para investigar a atividade policial. A íntegra da fita será a primeira peça desse caso.

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É evidente que a Operação Satiagraha cometeu excessos e teve motivações cinematográficas. É correto que a PF use as estruturas da Abin, da Receita Federal, do Banco Central e de outros órgãos públicos para auxiliar suas investigações. Mas esses são procedimentos que envolvem instituições e precisam ser do conhecimento de seus responsáveis. Não é concebível que um delegado acione esses mecanismos por iniciativa própria e sonegue informações a seus superiores. No entanto, a crise produzida pela investigação de Protógenes tem, além dessas, outras razões. O delegado estava caminhando em terreno minado. Durante as investigações, foram produzidas sete mil horas de conversas telefônicas. Entre esse material há diálogos que podem vir a assombrar o Palácio do Planalto. Algumas escutas revelaram que fazendas de gado nas regiões Norte e Nordeste foram adquiridas por uma espécie de "consórcio operacional" entre Carlos Rodenburg, ex-cunhado de Dantas e diretor do Opportunity, o próprio Daniel Dantas e Fábio Luís da Silva, o "Lulinha", filho do presidente Lula. Também é mencionado o ministro Roberto Mangabeira Unger. Em uma das gravações, Mangabeira consulta procuradores sobre a possibilidade de seguir dando consultoria a empresas privadas mesmo no posto de ministro. Desaconselhado pela Advocacia-Geral da União (AGU), ele resolveu ignorar as ressalvas e manteve-se como consultor privado.

Quanto às investigações em torno da Operação Satiagraha, a mais recente decisão do presidente do Supremo acenou com a possibilidade de o caso sair da alçada do juiz De Sanctis. Atendendo a um pedido de acesso aos autos feito pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI), que foi citado nos grampos telefônicos e, segundo a PF, teria ligações com o dono do Opportunity, Mendes incluiu o senador no rol de investigados. Com isso, abriu caminho para o senador, que tem foro privilegiado, pedir que o caso seja transferido para o Supremo. Na sexta-feira 18, sindicalistas ligados à CUT protocolaram no Senado pedido de impeachment contra o presidente do STF.

A sucessão de trapalhadas das autoridades que até agora investigaram e julgaram Daniel Dantas teve ares de espetáculo circense e amenizou a defesa do banqueiro. Mas outro grupo de investigadores, no Banco Central, na Receita Federal e mesmo na Agência Brasileira de Inteligência começa a levantar dados que vão dificultar o trabalho dos advogados do Opportunity. Além do circo, existe também o cerco a Daniel Dantas.