Comportamento

A cúpula da discórdia
Obra de artista espanhol em salão da ONU, em Genebra, é comparada à Capela Sistina, de Michelangelo, e causa polêmica pelos custos bancados pela Espanha

Suzane Frutuoso
 

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Estalactites coloridas e a representação de um mar em plena tempestade farão com que, antes das reuniões, os visitantes da sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, passem um tempo olhando para o alto – impressionados. Na terça-feira 18 foi revelada ao público a criação do artista espanhol Miguel Barceló na cúpula da Câmara dos Direitos Humanos e para a Aliança entre as Civilizações da entidade. Graças à grandiosidade e à qualidade estética, a obra está sendo considerada a Capela Sistina do século XXI, numa referência ao famoso trabalho do artista italiano Michelangelo, que está no Vaticano. O problema é que tanta beleza veio acompanhada de uma polêmica: o custo de US$ 23 milhões, financiados pelo governo e empresas da Espanha. A inauguração teve a presença do rei Juan Carlos e do primeiro-ministro José Luis Rodrigues Zapatero.

A opinião entre os que viram a cúpula é de que ela se tornará um marco. Isso não justifica, afirmam políticos e até funcionários da ONU, o valor gasto, uma vez que a organização passa por dificuldades em conseguir recursos que viabilizem projetos como a compra de remédios e o envio de missões de paz que evitem guerras em diversas nações.

Empresas espanholas bancaram 60% da obra. O restante veio do governo. E foi aí que as críticas começaram. A atual crise econômica atinge em cheio a Espanha, que contabiliza mais de seis mil desempregados por dia. Os que fazem oposição aos custos com a cúpula garantem que 500 mil euros de um fundo internacional de combate à pobreza foram usados como parte do pagamento. Na quarta-feira 19, o Congresso espanhol esteve em pé de guerra. A deputada Soraya Saénz, do Partido Popular, disse que o gasto é "milionário, desproporcional, injusto, ilegal e imoral". O ministro das Relações Exteriores, Miguel Angel Moratinos, se defendeu, declarando que a arte não tem preço e que estava orgulhoso.

A pintura de Miguel Barceló era mantida em sigilo até a semana passada, com um controle rigoroso de acesso à sala. Ele explicou que o trabalho é a metáfora de uma ágora, árvore africana sob a qual as pessoas se sentavam para falar do único caminho possível, o diálogo. O mar seria a origem das espécies e a promessa de um novo futuro, emigrações, viagens. O artista levou mais de um ano para pintar os cerca de 1,5 mil metros quadrados, com o auxílio de 20 especialistas entre engenheiros, arquitetos, geólogos e até físicos. Foram necessárias 35 toneladas de tintas.

Barceló e o governo espanhol se recusam a dizer quanto o artista recebeu pelo trabalho. Na abertura da Câmara, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que a obra é inovadora e radiante. "Não tenho dúvida que as pessoas virão conhecêla, tenham ou não questões a tratar aqui." Talvez cobrar pela visitação pública pudesse diminuir as críticas quanto ao dinheiro gasto. A entrada no Museu do Vaticano, por exemplo, onde se encontra a Capela Sistina, custa 14 euros. No ano passado, quatro milhões de pessoas visitaram o local. Significa que foram arrecadados 56 milhões de euros com a visitação. Se a ONU cobrar por alguns minutos de apreciação da Capela Sistina do século XXI, o lucro pode superar o investimento. E tanto os apreciadores da arte quanto os arrecadadores de fundos humanitários ficarão felizes.