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PROTESTO
Manifestantes reivindicam no Congresso aumento maior

 

Poucos temas ligados à vida política nacional despertam opiniões tão divergentes e discussões tão acaloradas quanto o aumento do salário mínimo. Nos últimos dias, o centro nevrálgico desse embate esteve concentrado no Congresso Nacional, onde parlamentares, sindicalistas e representantes do governo travaram as mesmas batalhas de sempre. De um lado, os defensores de um reajuste mais generoso, que traria, na visão deles, um ganho econômico importante para a nação. De outro, a turma dos que rejeitam a ideia, amparados na alegação de que um aumento excessivo agride as contas públicas. Por mais que cada um dos debatedores tente desqualificar as posições dos adversários, num certo sentido todos têm razão – e não há nenhum problema nisso.

Na disputa deste ano, existe um complicador adicional: em 2011, assume a nova presidente, o que aumenta o peso político da decisão. “A Dilma vai ficar o mais próximo daquilo que for o máximo possível, sem comprometer as contas do governo federal”, diz o presidente do Senado, José Sarney, que há alguns dias recebeu uma comitiva de aposentados que reivindicaram um mínimo de pelo menos R$ 580 (hoje, o valor é de R$ 510). “Se formos dar um aumento além dos R$ 540, vamos ter que cortar gastos em alguma coisa”, diz o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. “Fatalmente, em investimentos. O PAC e o Minha Casa Minha Vida serão prejudicados.” Não é difícil imaginar o impacto negativo que um freio nesses projetos traria para a imagem da presidente recém-eleita.

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Nos oito anos de governo Lula, o salário mínimo teve um reajuste real de 65%. Detalhe: no mesmo período, a média anual de inflação foi de 5,6%. Ou seja, os argumentos de que a elevação do mínimo provoca uma imediata alta dos índices inflacionários não estão totalmente certos. Nem todos os preços são influenciados diretamente pelo reajuste do mínimo. Por muitas décadas, o salário mínimo funcionou como parâmetro para a uniformidade dos salários e de outros ítens. Mas a Constituição de 1988 acabou proibindo que ele fosse usado como indexador, para evitar que logo perdesse seu poder de compra por provocar um impacto em cadeia. Atualmente, segundo o Dieese, dos 635 pisos salariais pesquisados pelo instituto, apenas 36 ficarão abaixo do novo mínimo e deverão ser corrigidos pelo novo valor. Ou seja, a massa salarial da iniciativa privada praticamente não é impactada pelo reajuste. Em muitos casos, ele serve apenas como referencial – não automático – para dissídios coletivos e qualquer negociação trabalhista.

O argumento mais forte dos que defendem um aumento maior é o fato de a gestão Lula ser reconhecida pelo forte crescimento econômico – e isso é resultado direto do aumento da renda da população. Segundo projeções do governo, o reajuste do salário mínimo de R$ 510 para R$ 540 trará um incremento de mais de R$ 25 bilhões na renda dos brasileiros. Obviamente, parte desse dinheiro será revertida para o consumo. O economista Francisco Lopreato, da Unicamp, reforça esse raciocínio. “Mais pessoas poderão contrair créditos e haverá uma consequente melhora na arrecadação”, diz Lopreato. “Com o reajuste acima da inflação, o comércio só tem o que comemorar”, afirma Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo. Ele descarta a relevância do aumento sobre as folhas de pagamento do setor privado.

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IMPACTO
Marcelo Neri, da FGV, diz que o reajuste não afeta os pobres

 

Se existe um evidente impacto positivo, também não deve renegar os efeitos negativos da escalada do mínimo. Para cada R$ 1 de aumento, o peso nos cofres públicos é de R$ 286,4 milhões por ano. Se o mínimo chegar a R$ 580, como querem os sindicalistas, o governo precisaria remanejar mais de R$ 12 bilhões do Orçamento de 2011. “É muito fácil aumentar na canetada, mas eu quero ver na hora de pagar”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. “Não há folga no Orçamento para um reajuste desses.” Além dos problemas orçamentários e da Previdência – que realiza as correções dos ganhos dos aposentados com base no aumento do salário mínimo –, o impacto social pode não ser tão relevante quanto o imaginado. É isso o que diz Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getulio Vargas. “O salário mínimo acima de US$ 300 não reduzirá a desigualdade, porque não alcança os pobres”, diz Neri. “O grande efeito não é sobre o mercado de trabalho, mas sobre as contas públicas. A pobreza e a desigualdade são uma bomba que precisa ser desarmada por outros meios.” O importante nessa discussão é resolver a questão da maneira mais equilibrada possível. Nem muito nem pouco – mas na medida certa.

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