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A QUEDA
Roupa em desalinho, fisionomia e mãos tensas:
o suicídio estava próximo

 

Após uma visita à Alemanha durante a década de 1970, na qual conheceu um anônimo admirador do nazismo em uma cervejaria de Munique,
o autor britânico Ian Kershaw retornou ao seu país decidido a interromper seus estudos sobre a Idade Média e se dedicar à pesquisa do fenômeno do nacional-socialismo e de seu líder máximo, Adolf Hitler. Foram 30 anos de investigação até a publicação de dois monumentais volumes, agora condensados em um único livro. Chama-se “Hitler”, tem mais de mil páginas e acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Nas primeiras linhas da publicação, o irônico Kershaw afirma que, além de ter sobrevivido a muitos atentados, Hitler deve seu famigerado nome a um golpe de sorte. “O seu pai mudou de sobrenome 13 anos antes de seu nascimento. Trocou o rústico Schicklgruber para Hitler.” O que foi decisivo. “A saudação ‘Heil Schicklgruber’ teria sido improvável a um herói nacional”, escreve Kershaw. O autor pesquisou à exaustão a personalidade do ditador que era considerado “uma figura digna de desprezo ou troça” até 1918. “Não havia sinais de seu magnetismo pessoal. Ele era chato. Um pintor frustrado que ninguém gostava de ter ao lado numa ocasião social. A partir de 1919, tornou-se objeto de adulação crescente. Como foi possível que este bárbaro austríaco, agitador de cervejarias, conduzisse todo um povo à barbárie? ”, indaga Kershaw, referindo-se aos primeiros tempos de orador em que Hitler discursava para poucos nos bares. Para ele, a sua trágica trajetória ensina importantes lições: “Não se pode esquecer que Hitler ascendeu ao poder em uma sociedade democrática, culta e moderna. Isso denuncia como é frágil a camada que protege a civilização contemporânea.”

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HITLER CRIANÇA
Aos 12 anos, Hitler não gostava de ir às aulas e apanhava
frequentemente do pai por causa do mau desempenho escolar

 

Diante da contradição entre o homem comum socialmente inábil e o posterior líder que move multidões, o escritor recorre à máxima do pensador alemão Karl Marx: “Os homens fazem a sua história (…) mas sob condições determinadas e impostas.” Ou seja, o fenômeno nazista em toda a sua truculência se explica não apenas pela personalidade do ditador, totalmente desprovida de dotes intelectuais ou carismáticos, mas também pela reação que despertou nas outras pessoas em determinada circunstância histórica – impossível entendê-lo sem aliar o seu sinistro personagem principal ao comportamento de um povo traumatizado por uma guerra perdida, pela miséria econômica e a instabilidade política. “Não fosse por isso ele jamais deixaria o anonimato.” Assim, Kershaw se aprofundou na vida de Hitler e na íntima relação que ele estabeleceu com o povo alemão, tendência historiográfica que também é o mote da revolucionária exposição recentemente aberta em Berlim sobre o nazismo e sua figura mais nefasta (ver quadro). O que diferencia Kershaw de outros biógrafos importantes é, sobretudo, a riqueza das fontes a que teve acesso. Foram 15 volumes datilografados dos diários do chefe da propaganda nazista, Josef Goebbels, aliado do ditador e figura de maior influência no Terceiro Reich. Os textos datam dos anos decisivos do regime: de 1941 a 1945. Parte desse valioso material foi descoberta em 2002 em Berlim por um catador de papel e, não se sabe como, terminou em uma universidade americana, onde foi recuperada e publicada.

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Entre outros temas, os escritos pessoais de Goebbels revelam sobretudo as conversas que ele mantinha com seu chefe. Numa passagem, ilustra a maquiavélica estratégia para acirrar os ânimos dos alemães na questão antissemita. Em 1938, durante um violento ataque de jovens nazistas contra a população de origem judaica em Berlim, Goebbels correu ao ditador para informar a grave situação. Em um trecho, ele descreve a reunião: “Explico a questão ao Fuhrer. Ele decide: deixar que as manifestações continuem. Retirar a polícia. Os judeus devem sentir pelo menos uma vez a cólera do povo.” E assim aconteceu. Duas sinagogas foram destruídas e 30 mil judeus presos. A ação não deveria ter a participação da polícia nazista, a SS. Hitler preferia que esse organismo repressor agisse sempre de forma sistemática e racional em relação à “questão judaica”. “Desordem, violência descontrolada e destruição não são o estilo da SS”, anotou Goebbels. Ele enviou um telex aos soldados instruindo-os no seguinte sentido: caso decidissem participar das “manifestações”, que o fizessem em trajes civis. Goebbels também acusa Hitler de ser mitomaníaco: “Faltou-me com a palavra cinco vezes. Não diz a verdade e se esconde. Já não nos guia.” O historiador Kershaw, em sua extensa obra, não se furta em ridicularizar Hitler com informações obtidas nos textos de Goebbels. A título de prosaica curiosidade, conta que a distância física mantida pelos correligionários de seu líder se devia ao mau hálito do Fuhrer, e não a uma atitude de respeito.

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