Sem patrocínio desde maio, a ginasta diz que a falta de apoio ao atleta leva ao retrocesso do esporte no Brasil

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ESTÉTICA
Daniele fez uma lipo na barriga: “Estava me incomodando”, conta

 

Com seu eterno jeito de menina, a ginasta Daniele Hypolito, 26 anos, tem sido importantíssima para a popularização do esporte. Foi a primeira brasileira a conquistar medalha em um mundial de ginástica ar­tística, ostenta no currículo três olimpíadas e agora treina para a quarta, em Londres 2012, provavelmente sua despedida. Apesar disso, a graciosa paulista desglamouriza a realidade. “O público vê o atleta na tevê e acha que as coisas estão às mil maravilhas. Não é bem assim. A gente tem que correr atrás de apoio, colocar o currículo nas empresas, esperar o marketing avaliar, aí vai para não sei onde, volta… É muito difícil. A gente tem que ser muito mais que herói.” Em um desabafo sóbrio, a atleta diz que, apesar de ter um extenso currículo de conquistas, está sem patrocínio individual há quatro meses e teme pelo futuro. Mas hoje treina com garra e quer conquistar uma medalha olímpica em 2012. Classificada como 18ª no ranking de 24 melhores da ginástica mundial, Daniele deveria estar escolhendo patrocinadores, e não se lastimando pela falta deles.

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“Os empresários querem patrocinar projetos, em vez de atletas.
Estamos voltando a uma era em que o esporte não era tão desenvolvido"

 

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"Este ano, vendi o carro para ajudar a pagar o apartamento.
Vou treinar de carona com meu irmão (Diego Hypolito)”

 
ISTOÉ

Você está sem patrocínio?

DANIELE HYPOLITO

Fiquei sem patrocínio em maio deste ano. Estou tendo que correr atrás, mas está muito difícil. Os empresários querem patrocinar projetos, em vez de atletas individuais. Estamos voltando a uma era em que o esporte não era tão desenvolvido no Brasil, como é hoje. Você tem que buscar seus próprios médicos, psicólogo, nutricionista…

ISTOÉ

Por que decidiu falar publicamente sobre isso?

DANIELE HYPOLITO

Estou triste pela situação geral. Sei que a minha realidade atual é a mesma de muitos atletas. Tenho a sorte de ter o apoio familiar e de estar sempre treinando. Mas tem gente que não tem esse apoio e acaba parando porque tem de trabalhar, tem de colocar o pão e o leite em casa, pagar as contas. A gente sabe que a realidade é essa. Igual a mim, sem patrocínio, tem vários atletas de alto rendimento, que representam o Brasil lá fora. E eu estou numa situação que me preocupa. Fora do ginásio eu também tenho as minhas contas para pagar, e realmente fica difícil quando você está sem patrocinador. Você se vê perdida. Saio do ginásio preocupada, e não exclusivamente com meu treino. É complicado.

ISTOÉ

Por que não havia se manifestado antes sobre a falta de patrocínio?

DANIELE HYPOLITO

Não gosto de polêmica. Mas tem um momento que o atleta tem que abrir o jogo. Tenho o apoio da Confederação Brasileira de Ginástica (CGB) e do Flamengo, mas estou sem patrocínio. Essa é a minha realidade hoje. Sou muito grata a todos os patrocinadores que já me apoiaram, e até pelos que virão. Mas, neste momento, não posso deixar de falar de uma realidade que é diferente. O público vê o atleta na tevê dando entrevistas e acha que as coisas estão às mil maravilhas, e não é bem assim. Você tem que correr, sim, atrás de apoio, colocar seu currículo lá, esperar o marketing avaliar, aí vai para não sei onde, volta… É muito difícil. A gente tem que ser muito mais que herói.

ISTOÉ

Por que você acha que falta patrocínio?

DANIELE HYPOLITO

Não sei, mas gostaria de saber o motivo desta falta de incentivo para os atletas. Queria saber, porque as pessoas na hora de cobrar, elas sabem, mas quando têm que apoiar, tudo fica difícil, são relutantes. Só se pode cobrar quando se dá apoio. E a única que pode cobrar de mim hoje sou eu. O Flamengo sabe da minha satisfação por treinar lá, pelo apoio que vem me dando por todos esses anos. E a Confederação sabe que eu os apoio, sempre contam com a minha presença na Seleção.

ISTOÉ

Você economizou pensando que um dia pudesse ficar sem incentivo?

DANIELE HYPOLITO

Sempre. Com o dinheiro do Flamengo, a gente (ela e o irmão Diego Hypolito, também ginasta) conseguiu comprar um apartamento, graças a Deus. Todo mês, o dinheiro que entra vai direto para pagar este apartamento. Este ano, vendi o meu carro para ajudar mais no apartamento, abri mão desse conforto. Mas mais segurança que um carro é você ter uma casa. Terei a oportunidade, um dia, de comprar outro carro.

ISTOÉ

Como está indo para os treinos?

DANIELE HYPOLITO

De carona com meu irmão. Para mim, não custa nada ir mais cedo, nem para ele. Agora que ele foi operado, eu acabo levando-o, já que não pode dirigir. E fico um pouco mais esperando a fisioterapia dele terminar.

ISTOÉ

Como é a relação de vocês?

DANIELE HYPOLITO

A gente mora com a família, que é muito importante. As coisas passam, mas a família continua. Um torce pelo outro, um é fã do outro, temos uma cumplicidade muito grande. Brigas acontecem. Mas poucos minutos depois já estamos rindo juntos. Ele me dá muita força em relação ao que está acontecendo, o Diego me conhece mais do que ninguém. Foi ele a pessoa que mais conversou comigo em 2009, mais me deu apoio e força para não desistir. É uma parceria de irmão, amigo, cúmplice, tudo.

ISTOÉ

Por que 2009 foi um ano difícil?

DANIELE HYPOLITO

Foi um ano difícil pessoalmente e como atleta, embora ainda tivesse o apoio dos meus patrocinadores, ainda conseguia tentar fazer alguma coisa. Mas não era a atleta só que estava mal, era a Daniele mesmo. E alguma hora isso iria parar dentro do ginásio. Eu treinei durante muito tempo, talvez o ano de 2009 tenha sido um ano que eu tenha tirado para dar uma relaxada, uma descansada. Depois de três ciclos olímpicos, pode ter sido uma forma de eu ter dado uma relaxada para conseguir dar a subida agora e, quem sabe, fazer mais um ou dois ciclos. Acho que eu precisava dessa baixa. No entanto, não foi bom para mim. Se eu pudesse esquecer o ano de 2009, eu esqueceria, mas tem males que vêm para o bem. Se você aprendesse só com a vitória, seria muito fácil. Não dá para pegar o que passou e transformar num martírio, mas sim pegar o que passou como aprendizado para você não repetir o mesmo erro.

ISTOÉ

Como está sua situação financeira hoje?

DANIELE HYPOLITO

Não é ruim, mas não é uma situação que esteja me agradando. Depois de anos, eu não quero voltar a depender da minha família, quero ter as minhas coisas por mim, como sempre fiz. Acho que a gente tem que aprender a viver com aquilo que tem. Estou aprendendo a viver com aquilo que tenho no momento.

ISTOÉ

Como assim?

DANIELE HYPOLITO

Por exemplo, entre pagar uma conta e ir ao cinema, que é uma coisa que eu fazia bastante, pago as minhas contas. Recebo pela Lei Piva (lei federal de repasse de verbas ao COB e Comitê Paraolímpico) e tenho meu contrato no Flamengo, que nunca deixou de me apoiar, por maior que fosse a dificuldade. Mas os dois juntos não chegam a R$ 10 mil por mês.

ISTOÉ

Você está desanimada?

DANIELE HYPOLITO

Sou uma atleta com um currículo muito extenso. Sou guerreira, luto até o final, não sou de desistir na primeira porta fechada que encontro, tento até o fim. E nem todas as portas estão fechadas. Vou até 2012. Se eu perceber que a situação permanece a mesma, vou ter a certeza de que cumpri tudo que tinha que cumprir como atleta. Não penso em desistir antes de 2012. Acredito que as coisas vão mudar e para muito melhor.

ISTOÉ

Como está a Daniele para 2012?

DANIELE HYPOLITO

Eu já fui medalhista mundial, então por que não sonhar com uma medalha olímpica? Estou trabalhando para isso, estou bem focada, treinando bastante. Ninguém mais, além de Deus, pode dizer até onde você vai chegar, o limite do seu corpo é você quem conhece, e é você quem dá. Voltei muito bem e quero dar continuidade ao meu trabalho. A gente precisa treinar este ano, ter a série pronta no ano que vem para, na Olimpíada, estar muito firme e ter uma apresentação com bom nível de dificuldade.

ISTOÉ

E como está sendo seu preparo?

DANIELE HYPOLITO

Não é nada fácil recriar uma consciência, repensar tudo e buscar forças para resgatar a atleta que eu sempre fui. Minha determinação é maior que o meu cansaço, maior que meu medo, maior que tudo. A pior coisa que pode acontecer com um atleta é ele ter medo. E em nenhum momento, este ano, eu tive medo do que poderia acontecer ou da reação das pessoas. Pelo contrário. A única adversária dentro do ginásio sou eu mesma. Sou eu quem pode dizer o que posso fazer.

ISTOÉ

Como é seu treinamento?

DANIELE HYPOLITO

Fiz um trabalho de preparação muito importante ao longo deste ano. Não treinei menos que as meninas, mas treinei de uma forma diferenciada, pelo fato de eu ser mais velha. Preciso muito da preparação física para minha parte muscular estar muito forte para prevenir as lesões. Termino o treino e vou direto para a fisioterapia preventiva, que faço mesmo sem dor.

ISTOÉ

Pretende competir em 2016?

DANIELE HYPOLITO

Sempre faço meu ciclo de quatro anos. Quando terminar a Olimpíada de 2012 é que vou saber se realmente vou até 2016. Na minha cabeça, a meta principal é 2012, é estar bem em Londres.

ISTOÉ

Depois de ter trazido os Jogos Olímpicos de 2016 para o Brasil, o que acha que o Comitê Olímpico Brasileiro fará para ajudar os atletas que estão sem investimento?

DANIELE HYPOLITO

Sobre o COB eu não gostaria de comentar. Acho que ele tem feito o papel dele como representação do esporte, correndo atrás para as coisas acontecerem no Brasil. Não tenho do que reclamar, não tenho o que falar. Sou neutra.

ISTOÉ

O que pretende fazer depois da ginástica?

DANIELE HYPOLITO

Trabalhar com marketing esportivo. Estou cursando a faculdade de educação física e quero usar meu nome para ajudar outros atletas, gerenciando a carreira deles. Também penso em trabalhar com jornalismo, que é algo que gosto e vai me possibilitar ajudar os atletas.

ISTOÉ

Por que você decidiu fazer uma lipoaspiração na barriga?

DANIELE HYPOLITO

Era uma parte da estética que estava incomodando mesmo. A lipoaspiração tira a gordurinha localizada, que é uma coisa que incomoda toda mulher. Além disso, eliminei seis quilos, quero eliminar mais dois, pelo menos, para ficar bem, até porque não adianta nada eu ficar magérrima e fraca. Estou magra, porém forte e seca.