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COMEÇO
Dilma trabalha para dar aumento maior ao salário mínimo

 

Na quarta-feira 3, depois de sua primeira entrevista coletiva, a presidente eleita Dilma Rousseff embarcou para um resort na praia de Itacaré, no litoral sul da Bahia, conhecido como a Costa do Cacau, uma área repleta de coqueiros e praia de águas cristalinas. Foi recarregar as baterias que consumiu durante a extenuante campanha e se preparar para os desafios que terá pela frente. Fez muito bem. Ao retornar a Brasília na segunda-feira 8, credenciada pela força das urnas e na condição, segundo a revista “Forbes”, de 16ª pessoa mais poderosa do mundo, à frente da secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, e do presidente da França, Nicolas Sarkozy, Dilma, de imediato, vai se deparar com temas delicados e complexos. A pauta está carregada e envolve aumento de gastos, recriação de impostos e disputas internas sobre a composição do futuro governo.

O mais premente deles é a discussão sobre o valor do salário mínimo. Pressionada pelas centrais sindicais e parlamentares, a presidente eleita pediu à equipe econômica que encontre alternativas para um aumento acima do teto de R$ 550.

O valor do mínimo, que hoje é de R$ 510, poderá chegar a R$ 560 a partir de janeiro, mas a área técnica do governo terá de encontrar uma fórmula que não provoque um desequilíbrio no Orçamento. A Força Sindical faz pressão no Congresso por um salário de R$ 580, que teria um impacto de R$ 11,9 bilhões. As centrais, lideradas pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), querem a aplicação, em 2011, da regra que valeria somente em 2012. “A nossa presidente Dilma disse que, de qualquer maneira, vai fazer de tudo para aumentar substancialmente o salário mínimo. Precisamos fazer as contas de maneira que mantenhamos o equilíbrio fiscal”, disse o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A preocupação do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é com o aumento das despesas. “Queria dizer que isso é preocupante, porque não está baseado em fatos concretos. Não há motivos para aumentar a receita para o ano que vem. Porque aumentar a receita quer dizer aumentar despesa”, ponderou Mantega.

Outro tema que ressurgiu das cinzas nos últimos dias foi a recriação da CPMF para aumentar os recursos de financiamento da saúde pública. A volta do imposto, extinto pelo Senado em dezembro de 2007, é defendida pelos governadores aliados. “Tenho colocado ao presidente Lula que há um subfinanciamento da saúde, que é uma grave questão nas contas dos municípios e dos Estados. Por isso, em parte ou no todo, a CPMF deve voltar”, disse o governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos, ao se reunir com os demais governadores e líderes do PSB. Na entrevista coletiva concedida na quarta-feira 3, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma já haviam admitido o retorno da discussão sobre o imposto. “Não pretendo enviar ao Congresso a recomposição da CPMF, mas estou atenta às necessidades dos governadores”, explicou Dilma na entrevista.

O debate em torno da CPMF já está gerando desgaste político. Nem mesmo entre os partidos governistas há consenso sobre a melhor maneira de arrumar receitas para financiar a saúde. “Eu apoio a criação da CSS que seria destinada à saúde, mas tem uma alíquota menor. O claro é a necessidade do financiamento”, disse Cid Gomes, governador reeleito do Ceará pelo PSB. Enquanto isso, a oposição, que durante a campanha presidencial empunhou a bandeira da redução de tributos, promete brigar no Congresso contra a volta do imposto. Os governadores de São Paulo, Goiás, Santa Catarina e Rio Grande do Norte já se rebelaram contra a recriação da CPMF. “É preciso resolver o grave problema do subfinanciamento da saúde, mas o ideal é evitar a criação de novos tributos”, disse Geraldo Alckmin, governador tucano eleito de São Paulo.

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PARCEIRA
Lula ouvirá a opinião de Dilma para todas as decisões
que for tomar nos dois últimos meses de governo

 

Toda essa querela envolvendo governo e oposição, no entanto, deve ser relativizada, já que, em 2007, no calor da votação da CPMF no Senado, tanto o então governador de São Paulo, José Serra, quanto o de Minas, Aécio Neves, defenderam a manutenção do imposto. Ou seja, não se sabe se a oposição é mesmo contrária à ideia ou se ainda está contaminada pela acirrada campanha eleitoral, da qual saiu derrotada. “Quando a matéria foi discutida três anos atrás, a maioria esmagadora dos governadores se posicionou publicamente a favor, tendo em vista a necessidade de sempre termos financiamento para a questão da saúde”, lembrou o governador reeleito de Minas, o tucano Antonio Anastasia, ligado ao senador eleito Aécio Neves (PSDB-MG). “Todos os governadores são a favor da CPMF. Todos”, disse o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Outro assunto espinhoso que tem consumido as preocupações da presidente eleita é a partilha de cargos no governo a partir de 2011. Não bastasse os desejos do sempre sedento PMDB, que não admite abrir mão das seis pastas controladas hoje pelo partido, Dilma vem sendo pressionada pelo PSB e até pelo PDT. O PSB considera que a legenda teve participação fundamental na campanha vitoriosa de Dilma e, por isso, acredita que deve ocupar ministérios de maior peso no futuro governo. Além de manter o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Secretaria dos Portos, o partido sonha com os ministérios das Cidades, da Integração Nacional e do Trabalho. Mas por intermédio do atual ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o PDT avisa que nem pensa em entregar a pasta almejada pelos socialistas. “Além da manutenção do Trabalho, vamos reivindicar pelo menos outra pasta social. A Educação, por exemplo, é uma área estratégica, assim como Turismo, por causa dos eventos esportivos que vamos ter, como a Copa do Mundo e a Olimpíada”, afirmou Lupi, lembrando que o PDT, do qual é presidente licenciado, esteve com Dilma “desde o início”.

Para poupar sua sucessora de mais abacaxis, o presidente Lula entrou em campo na última semana na tentativa de resolver, ainda este ano, pendências que iriam estourar no colo de Dilma já a partir de janeiro de 2011. Uma delas é a novela envolvendo a extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti, que se arrasta desde o ano passado. Com base em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), Lula decidiu que não vai extraditá-lo. A decisão deve ser anunciada oficialmente nos próximos dias. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a extradição do italiano, mas reconheceu que a palavra final sobre o caso caberia ao presidente da República. O ex-ativista está preso no presídio da Papuda, em Brasília, desde 2007. Se Battisti fosse levado para a Itália, teria de cumprir pena de 30 anos. Lá, ele foi condenado pela participação no assassinato de quatro pessoas nos anos 1970.

O presidente Lula também não pretende deixar para Dilma o polêmico preenchimento da vaga do ministro do STF, Eros Grau, aberta desde agosto. Ele disse já ter um nome em mente, mas que prefere discutir com a presidente eleita. O martelo deverá ser batido durante viagem para reunião do G-20. Um dos mais cotados é do ministro do STJ Cesar Asfor Rocha, muito bem relacionado no Congresso, onde a sua aprovação seria praticamente certa. As atuações no caso Belo Monte e no Plano Nacional de Banda Larga também projetaram o titular da AGU, Luís Inácio Adams, elevando-o da estatura de um técnico concursado, embora com ligações políticas no PT, a um dos preferidos para o cargo. Na área economica, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, contorna as pressões do funcionalismo por reajustes e estuda medidas de ajuste fiscal. A presidente eleita descarta um pacote de maldades que anteceda sua posse. Mas a verdade é que o governo Lula, no apagar das luzes, faz o possível para deixar o terreno livre para a futura presidente. Por ordem do próprio Lula.

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