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TENTAÇÃO
Beleza, poder e fama se misturam na
capital paulista durante o GP Brasil

 

Ela estava impecável para a ocasião. Chegou à festa de carona, a bordo da Range Rover importado da amiga. Ao descer do bólido, reluzia em um vestido Hervé-Leger acima do joelho, scarpin de verniz salto 15 Christian Lou­bou­tin e bolsa Chanel de matelassê prata com alça de correntinha. Era 1h30 da manhã e o evento em um badalado restaurante no bairro do Itaim Bibi, na zona sul de São Paulo, fervia. A maior concentração de gen­te bonita por metro quadrado da cidade estava ali dentro e tinha razão para estar. O local abrigava uma festa da Fórmula 1, que havia encerrado a temporada de 2009 um dia antes. Engenheiros e dirigentes de equipes e até o piloto campeão do mundo, o inglês Jenson Button, se divertiam entre os 400 convidados vips.

Com uma taça de champanhe na mão, a moça do scarpin salto agulha, uma socialite paulistana, ganhou a noite pouco tempo depois. Uma amiga a apresentou a uma pessoa influente da F-1, e os dois passaram aquela madrugada juntos. Como ela, muita gente que desembarca em São Paulo por conta do Grande Prêmio Brasil, em Inter­lagos, está interessada também em apro­veitar a efervescência da capital pau­listana elevada ao quadrado graças à grande con­centração de gente bem-nascida, com poder e fama. “As festas no Brasil são muito boas. O clima de comemoração é ótimo e as pessoas sabem dançar. Isso cria uma at­mosfera fantástica”, atestou à ISTOÉ Se­bas­tian Vettel, alemão de 23 anos da equipe Red Bull e um dos que ainda lutam pelo tí­tulo da temporada.

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NA PISTA
Boates chegam a contratar 20 modelos por noite para embelezar a balada

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“As festas no Brasil são muito boas. As pessoas sabem dançar, o que cria uma atmosfera fantástica”
Sebastian Vettel, piloto da Red Bull

 
 

Tudo isso ocorre porque o GP Brasil de Fórmula 1 é um dos eventos que mais alavancam o turismo no Brasil. Acontece uma vez por ano e, há 20 temporadas, em São Paulo (leia quadro à página 80). Quando o circo do automobilismo se instala por aqui, o PIB da cidade mais rica do País dá um salto generoso. Por conta da corrida, marcada para o domingo 7 e dos dois dias anteriores de treinos classificatórios, apro­ximadamente R$ 260 milhões são gastos na cidade. O evento atrai 140 mil pessoas, das quais 60% são turistas (leia quadro à página 78). A ocupação dos hotéis atinge 97%, mais do que o dobro da registrada em um final de semana normal.

Um termômetro dessa ebulição são as churrascarias, o point da gastronomia entre os experts em velocidade. Na Fogo de Chão, frequentada pelos campeões mundiais Fernando Alonso e Michael Schumacher, o movimento cresce 40% na semana que antecede a largada em Interlagos. São consumidas três mil garrafas de vinho, 800 de cachaça e 16 toneladas de carne, quatro a mais do que o normal. Turistas e mecânicos de equipes – que chegam a ocupar mesas com até 100 lugares – se misturam na fila do bufê. “De todos os grandes eventos que acontecem em São Paulo, a Fórmula 1 é o mais rentável”, ga­rante Gilson Belusso, gerente da chur­ras­caria. Ele entrega: “O Alonso adora cebolinha à dorê e picanha. Nem levanta para ir ao bufê. E o (piloto polonês) Kubica (da Renault) chega a abraçar o garçom quando recebe na mesa um prato cheio de tomates.”

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FESTA
A empresária e socialite Silvana Bertolucci (abaixo) e as modelos que
jogam charme antes da largada da prova: badalação e trabalho

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Até mesmo um pedaço do céu da cidade fica disputado na época da corrida. São 40 pousos e decolagens de helicópteros por hora no dia da prova no heliponto do autódromo. E um total de 660 passageiros transportados.Essa operação de helicópteros civis é a segunda maior do mundo, atrás somente da que ocorre durante o GP de Silverstone, na Inglaterra. “É um conforto, além de ser prazeroso e dar um ar de glamour para a experiência”, justifica Itagiba de Oliveira Júnior, que comprou um traslado para Interlagos para a sexta-feira 5 e domingo 7, ao custo de R$ 3,8 mil. Ao pousar em uma área próxima ao cartódromo, Oliveira, um empresário de 53 anos, seguirá para uma sala vip. Ali, irá receber uma taça de champanhe enquanto aguarda por uma van com ar-condicionado para levá-lo ao setor de onde verá a corrida.

Modalidade reconhecidamente masculina – 85% dos turistas que desembarcam em São Paulo para o GP Brasil são homens –, o automobilismo usa e abusa da participação de mulheres para vender seus eventos. Na quarta-feira 3, 24 modelos alinharam-se na reta de Interlagos numa simulação do trabalho que teriam no dia da prova. Conhecidas como Line Girls, elas são contratadas para segurar placas com o número dos carros ao lado dos pilotos, antes da largada.

Escolhidas a dedo para mostrar a diversidade da beleza da mulher brasileira, as garotas e seus vestidos curtíssimos desaceleraram os trabalhos nos boxes. Muitos mecânicos que montavam os carros torceram o pescoço para não perder as beldades de foco. Alguns grudaram o rosto na grade que separa os boxes da pista, outros sacaram o celular para tirar fotos e teve até um italiano que engatou um papo com uma delas para apresentá-la a um amigo de equipe. No dia da corrida, uma outra leva de modelos atua como recepcionista nos camarotes do autódromo, em aeroportos e hotéis que recebem os fãs da F-1. “Colocamos quatro garotas em cada um desses lugares”, diz a booker Fátima Garcia, da agência de modelos e atores Yellow.

No Hotel Transamérica, distante 15 minutos do circuito de Interlagos, estão instaladas quatro equipes: Ferrari, Williams, Virgin Racing e HRT, além de fiscais de prova e o todo-poderoso presidente da Formula One Management (FOM), Bernie Ecclestone. Nesse endereço, foi programada uma sequência de cinco festas a partir da quarta-feira 3, no bar do hotel. Nelas, pilotos e mecânicos das equipes, homens e mulheres aproveitariam as noites, animadas por música popular brasileira e até bateria de escola de samba.

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LUXO
O empresário Oliveira pagou R$ 3,8 mil
para chegar ao autódromo de helicóptero

 

A Mokai, um dos clubes mais luxuosos da cidade, foi escolhida pela equipe Red Bull, do piloto Vettel, para abrigar a festa da escuderia, no ano passado. Ali, o mais empolgado dos turistas podia fazer sua mesa tilintar com uma garrafa de champanhe Cristal que custava
R$ 21 mil.“Fórmula 1 é um esporte chique, que envolve pilotos famosos e gente com dinheiro. Tem muita mulher que aparece nas festas pensando: ‘Quem sabe eu me dê bem’”, afirma a socialite e empresária Silvana Ber­tolucci, que já foi a três eventos patro­cina­dos pelas escuderias. Segundo ela, duas conhecidas que marcaram presença em festas embaladas por gente do automobilismo terminaram no lucro: “Uma ganhou joias, relógio e a outra, uma passagem para a Austrália para acom­panhar uma corrida ao lado do diretor de uma escuderia.”

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Esse clima de farra é reforçado por meio de um corpo a corpo feito por funcionárias de nigthclubs nas cercanias do autódromo. Durante os três dias em que o evento recebe mais público, elas ficam estrategicamente espalhadas e distribuem folhetos que divulgam os serviços oferecidos pelas casas. “Boa parte do público vem de cidades do interior. E, uma vez aqui, aproveita para cair na gandaia”, conta o dono de uma boate. Em 2005, três dezenas de outdoors espalhados pela cidade durante o mês em que se realizaria o GP de Interlagos tiveram destaque por fazer uma relação entre a F-1 e o sexo. Patrocinados por um nightclub, eles mostravam imagens de uma loira e um piloto em um clima íntimo, uma garrafa de champanhe e a frase Você sabe o que acontece depois do pódio? Venha descobrir. A prefeitura ordenou a retirada das placas de publicidade e lacrou as portas do estabelecimento.

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PRAZER DA CARNE
A churrascaria Fogo de Chão, a preferida dos amantes da velocidade:
três mil garrafas de vinho, 800 de cachaça e 16 toneladas de carne

 

Mas a festa nunca termina em São Paulo. “Alguns pilotos procuram eventos mais privados para evitar o assédio”, diz um promoter paulistano. “Em maior número, mecânicos frequentam as casas noturnas, que estão propositalmente turbinadas nessa época.” Turbinar, no dicionário do promoter, significa encher a pista de mulheres. Um proprietário de uma boate conta que, quando resolve fazer uma festa temática para gente do mundo da velocidade, contrata duas dezenas de modelos por noite. “A proporção de homens para mulheres é de três para sete”, afirma esse empresário.

Uma das mais conceituadas promotoras de eventos do País, Alicinha Cavalcanti não escapou dos hormônios aguçados de gente ligada ao mundo da F-1. Em 2008, um estrangeiro que trabalhava em uma escuderia e estava no Brasil para o GP a procurou interessado em um tipo de serviço que não é do métier dela. “Ele disse que precisava de 300 mulheres em uma festa. Deixei bem claro que o nome da pessoa que faz isso é cafetina e não promoter”, conta Alicinha, que responde pelo quinto ano seguido pelo camarote do Hospital São Luiz no autódromo. Durante a semana que an­tecedeu a corrida, ela foi uma das pessoas da sociedade paulistana que abriram sua casa para receber poucos e ilustres convidados, alguns ligados ao automobilismo.

De quinta-feira a domingo, três grandes eventos marcados para acontecer no Terraço Daslu, no hotel Unique e no Jockey Club estavam entre os mais con­corridos na cidade. Acelerar na direção de uma noite prazerosa em uma dessas ocasiões, motivadas pelo espírito da velocidade, seria mais do que apropriado. Que o diga a socialite do scarpin verniz, que, claro, estava na lista de uma dessas festas.

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