08/04/2009 - 10:00
"Minha experiência em Princeton me tornou muito mais consciente da minha negritude (…) Parece que, para eles, serei sempre negra primeiro e depois estudante." Assim a atual primeira-dama dos EUA, Michelle Obama, descreveu em sua tese universitária, na década de 1980, como se sentiu nos anos em que frequentou o curso de direito na conservadora Universidade de Princeton.
Detalhe: nela 90% dos alunos eram brancos. Esse trecho está também no livro Michelle, a biografia (Planeta, 264 págs., R$ 39,90), escrita por Liza Mundy, jornalista do The Washington Post. A biógrafa defende a tese de que o papel de Michelle no governo poderá ter um impacto social ainda mais duradouro do que o do próprio presidente – e seu marido – Barack Obama, pelo menos no que diz respeito às questões ligadas ao preconceito.
Liza pesquisou a genealogia de Michelle, a sua formação escolar e trajetória universitária para provar como é forte o seu comprometimento com a questão racial. Ao realizar a cobertura da campanha presidencial de Obama, a jornalista percebeu que Michelle despertava um grande interesse público.
Afinal, a origem social da nova primeira-dama é a mesma da maior parte das mulheres negras americanas: ela descende de escravos, seu pai participou da Grande Migração americana em que os negros do sul agrário partiram para o norte industrializado em busca de melhores condições de trabalho e cresceu em Chicago nas décadas de 1970 e 1980, em comunidades majoritariamente afro-americanas.
Isso numa sociedade posterior à aprovação do ato de direitos civis (assinado pelo presidente Lyndon Johnson) e quando já vigoravam os benefícios da ação afirmativa para as minorias raciais. "Enquanto o seu marido é filho de mãe branca e foi criado por avós brancos numa comunidade multirracial e tolerante no Havaí, Michelle teve de enfrentar uma boa dose de discriminação e hostilidade racial em Chicago. Certamente sua presença não era bem-vinda em Princeton", diz Liza.
Michelle integrou diversos clubes universitários formados por estudantes afro-americanos e criticou algumas vezes a atitude da universidade em relação às minorias. Dizia que a instituição abrira espaço a esse segmento, mas não tinha a menor ideia de como lidar com os constrangimentos cotidianos que muitos estudantes negros sofriam de seus colegas brancos.
Para compor a biografia, a autora entrevistou amigos e parentes do casal e colheu informações dos primeiros encontros de Michelle e Obama. Ela foi sua supervisora num grande escritório de advocacia e já era nessa época preocupada em se vestir bem. Quando Michelle soube que o então aluno de Harvard Barack Obama fora criado no Havaí, logo deduziu que ele devia ser "esquisito, estranho e desprezível. E que não gostaria dele".
Ficou ainda mais certa disso ao sair para almoçar com Obama pela primeira vez: "Ele estava com um paletó horrível e tinha um cigarro pendurado na boca." O hábito de fumar não abandonou, mas se rendeu totalmente ao estilo alinhado e elegante da hoje esposa, que é chamada por ele de The Boss (a chefe) – isso porque ela controla com mãos de ferro a vida familiar para que a política não desequilibre a harmonia dos Obama na Casa Branca.
ISTOÉ – Por que decidiu escrever um livro sobre Michelle Obama?
Liza Mundy – Porque na campanha presidencial ficou evidente que ela é uma pessoa que inspira grande interesse público. A história de sua família é uma típica e importante narrativa americana.
ISTOÉ – Ela tem grande influência sobre o marido?
Liza – Sim. O casal compartilha a mesma visão política e social e Obama também confia nos julgamentos dela sobre as pessoas. Michelle tende a ser mais cética. E há quem diga que ela é mais inteligente que ele.
ISTOÉ – Pode ser comparada a outras primeiras-damas?
Liza – Ela vem de uma experiência de vida totalmente distinta da de suas antecessoras Laura Bush e Hillary Clinton. Guarda semelhanças com Hillary: é advogada, uma mulher forte e com chances de continuar na vida pública.
ISTOÉ – Como a sra. define a personalidade de Michelle?
Liza – É uma pessoa muito focada, ativa e ambiciosa. E temperamental, o que pode lhe criar problemas.
"Obama confia nos julgamentos de Michelle sobre as pessoas"