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Eis a descrição de Hollywood feita pelo escritor americano Truman Capote (1924-1984), quando ele tinha 22 anos: “Há um ar de vazio
dominical; aqui, onde ninguém anda, carros deslizam num fluxo constante e brilhante e minha sombra movendo-se pela rua branca e radiante é como o único elemento vivo numa obra de Chirico.” Essa passagem está incluída no livro “Ensaios” (LeYa), que reúne textos esparsos do autor do clássico “A Sangue-Frio” – há prefácios, miniperfis e escritos de “não ficção”, sua especialidade. A certa altura da apresentação que fez para o livro “Música para Camaleões”, ele comenta: “(Escrever) deixou de ser divertido quando descobri a diferença entre escrever bem e escrever mal.” Seu estilo límpido e sofisticado se alinhava, naturalmente, com o primeiro caso.

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+5 livros de Truman Capote

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BONEQUINHA DE LUXO
Sonhos de uma jovem em Nova York nos anos 1940. No cinema ela foi interpretada por Audrey Hepburn (foto)

A SANGUE-FRIO
Romance-reportagem centrado no assassinato da família Clutter, no Kansas, em 1959 

MÚSICA PARA CAMALEÕES
A atriz Marilyn Monroe e a escritora Willa Cather são artistas lembradas nessa coletânea

TRAVESSIA DE VERÃO 
Narra o romance entre uma jovem rica e um funcionário de um estacionamento na Nova York do pós-guerra

OS CÃES LADRAM
Relatos sobre a sua atividade jornalística. Capote queria dar ao jornalismo o status de arte 


Leia um trecho do livro:

NOVA ORLEANS
(1946)

No pátio havia um anjo de pedra preta, e sua cabeça de anjo ficava bem acima de gigantescas folhagens; os olhos vítreos do anjo, brilhantes como o azul lavado dos olhos dos marinheiros, estavam voltados para o alto. Observava-se o anjo de um balcão verdejante – o meu, aliás, porque eu morava logo ali em um três cômodos completamente branco, cômodos com elaborados tetos de bolo de noiva, portas de correr, altas janelas francesas.
Nas noites quentes, com aquelas janelas abertas, era agradável ficar ali conversando, e o vento soprava o interior como a brisa doce produzida por leques balançados por velhas senhoras. E nessas noites quentes a cidade era quieta. Eram só vozes: conversas familiares por trás da cortina de samambaias de uma varanda; uma mulher descalça cantarolando e balançando a cadeira, acalentando o bebê que amamenta em público; a queixa em língua estrangeira de uma mulher irritada que, sentada em seu balcão, depena um frango, as penas soltas pairando no ar e descendo preguiçosas até o chão.
Em uma manhã – era dezembro, acho, um domingo frio com um sol pálido e triste – subi pelo Quarter até o velho mercado, onde naquela época do ano havia exóticas frutas de inverno, satsumas doces por 20 centavos a dúzia, e fl ores de inverno, poinsétias de Natal e camélia japônica.
As ruas de Nova Orleans têm perspectivas longas, solitárias; nas horas desertas, sua atmosfera é como a de Chirico e coisas inocentes, comuns (um rosto por trás de uma veneziana fechada, freiras caminhando ao longe, um braço gordo e negro balançando do lado de fora de uma janela, um menino negro e solitário acocorado em um beco, soprando bolinhas de sabão e observando triste enquanto elas sobem para a explosão final), adquirem qualidades de violência. Naquela manhã, eu parei de repente no meio de um quarteirão, porque havia notado pelo canto do olho uma passagem em túnel, um pátio cuja vegetação crescera demais. Um cão branco de aparência ensandecida estava parado na entrada do túnel de samambaias e eu me aproximei impelido por uma espécie de compulsão.
Dentro do pátio havia uma fonte; a água jorrava delicadamente da boca da estátua de um macaco e produzia, ao cair sobre os pedregulhos do fundo, um som desolado que lembrava sinos. Ele pendia de um salgueiro, um homem com rosto de bandido e cabelos muito brancos; pendia flácido e encurvado, como o próprio salgueiro. Havia terror naquele jardim de silêncio sufocado. Janelas fechadas permaneciam cegas à cena; rastros de caracóis brilhavam prateados sobre as folhas maiores, nada se movia, exceto a sombra do homem. Ele balançava um pouco, para a frente e para trás, mas não havia vento. O anel de pedra em seu dedo cintilava ao sol, e em seu braço havia um nome tatuado: Francy. O cachorro levantou a cabeça para beber da fonte, e eu corri. Francy. Havia sido por ela que o homem se matara? Não sei. N. O. é um lugar de segredos.
Os olhos vítreos do meu anjo de pedra são como relógios de sol, porque revelam, pela quantidade de luz que os banha, que horas são: brancos ao meio-dia, eles vão escurecendo gradualmente, até ficarem escuros ao anoitecer, negros – olhos de anoitecer em uma cabeça de anoitecer.


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