Não há melhor companhia para viajar pelo interior do Brasil, nesta época de plantio em campos recém-lavrados, do que um iPad e nele o último livro do jornalista americano Bill Bryson. “At Home” é a maneira que ele encontrou de contar, à la Bryson, como se sente em casa e “em tranquilo anonimato” no vilarejo em Norfolk, nos cafundós da Inglaterra.

A casa vitoriana para onde se mudou, cercada de todos os lados pelo “calmo, agradável e atemporal campo inglês”, inspirou-lhe uma longa história pessoal da vida privada. E isso, para ele, é assunto de sobra para milhares de anos. Mal saído do forno, seu 14º livro não chega aos pés dos anteriores – como o 12º, “Breve História de Quase Tudo”, a leve enciclopédia dos assuntos pesados que, como ele, a maioria das pessoas procura ignorar.

É aí que entra o iPad. Um livro em papel pensa-se duas vezes antes de comprar. Mas, no caso do livro eletrônico, o dedo faz a encomenda automaticamente, com alguns toques na tela, meia dúzia de dólares e poucos minutos de espera. Dito isso – plin! – lá estava o novo Bryson num posto de estrada, no interior do Paraná.

Foi melhor assim. Um livro ruim de Bryson consegue ser bom. E este valeria cada centavo de seu preço só pelo capítulo sobre a revolução neolítica, a que espalhou a agricultura pelo planeta há cerca de dez mil anos. Com ela lá se foram as incertezas cotidianas de quem depende da caça, da pesca ou do deus-dará que cai ou não das árvores nas florestas.

Veio, em troca, o trabalho duro. E, ao contrário do que todo mundo, inclusive Bryson, aprendeu na escola, com ela ficou mais pobre, em vez de se enriquecer, a dieta básica da humanidade. Em comparação com os primeiros consumidores regulares de trigo, arroz, milho e outros capins modificados pela manipulação genética dos laboratórios neolíticos, a turma da pedra lascada abocanhava ao acaso “mais proteína e calorias”, além de ingerir cinco vezes mais vitamina C do que consumimos hoje, sem passar na loja de suplementos nutricionais.
Das 30 mil plantas comestíveis, 93% da população humana chama de alimento só 11. Entre eles, o arroz, que inibe a ação da vitamina A, o trigo, que atrapalha o metabolismo do zinco, e o milho, que bloqueia o ferro. Por essas e outras, o primeiro efeito da revolução agrícola foi baixar a estatura média no Crescente Fértil e derrubar para a faixa dos 20 anos a expectativa de vida na Escócia.

Sedentarizados, os agricultores incorporaram os vírus antes específicos dos animais que iam domesticando. Semeando cidades, colheram focos de epidemias. Mas nem por isso deixaram de estabelecer hábitos sólidos. Tanto que, “do ponto de vista dietético, o período neolítico continua conosco”. Podemos hoje salpicar nossos pratos com as mais finas ervas aromáticas que “por baixo disso tudo estará a comida da Idade da Pedra”.

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Nada disso é de primeira mão. Bryson lida sobretudo com informações que andam perdidas por aí, em tratados acadêmicos e títulos indecifráveis. Suas entrevistas fazem jorrar fontes que raramente borrifam os jornais. Quando tudo isso desce ao iPad diante de um campo recém-arado, é capaz de nos fazer ouvir pela primeira vez as críticas dos ambientalistas ao avanço da fronteira agrícola sobre as florestas como um grito atávico vindo das cavernas.


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